Não me quero meter em artimanhas de vendedor, nem boticário, nem pau-mandado ou pau-de-cabinda da indústria de produtos naturais. Tão pouco alinho em homeopatia ou endireitas. Mas o caso da
Depuralina, mais que bem contextualizado no alarmismo que de repente assolou a nação, pode ser uma amostra da real natureza das coisas do negócio.
O produto à partida é inofensivo. Vista a composição é um pó ralado de frutas secas, ervas e pouco mais. Um suplemento alimentar, laxante como dizem, e claro, lá terá os riscos raros de alergia ou de choque anafilático como qualquer outra coisa que se leve à boca: amendoins ou medicamentos – vejam lá! Não sei se faz realmente perder peso, mas fez com certeza emagrecer os proveitos de outros produtos do género, mais ou menos farmacológicos, tão procurados meses antes da exposição das pneumáticas vergonhas pela praia. E nisto, é engraçado como a ASAE não se inibiu de varrer prateleiras de tudo quanto era farmácia e lojas dietéticas com a velocidade que eu esperaria na fiscalização dos milhares de estabelecimentos que não se inibem em permitir, à margem da lei, que se encha o espaço público fechado de fumarada de tabaco.
Mas nas questões de Comércio da Saúde, pouca será a coincidência. É normal. Ou vai sendo normal. Há uns meses atrás, o Infarmed retirou do mercado o nostálgico
Quitoso, o anti-parasitário, alegando questões ambientais, uma vez que a referida loção continha substâncias altamente poluentes. Verdade é que não sendo este Portugal a piolheira de D. Carlos e não se estimando o uso do
Quitoso em quantidades industriais, ficam os argumentos enviesados pelo cano abaixo. Por outro lado, anos de uso generalizado e a popularidade do Quitoso pôs o produto, a preços de mercado, entre 4 e 5€. Dos anti-parasitários substituintes que restaram disponíveis, não lhes fazendo publicidade, diga-se que vão para lá dos 25€...
Outro exemplo é o da penicilina. O afamado antibiótico, por ser o primeiro e ter acabado com a sífilis por exemplo, é vendido em Portugal na sua versão de injecção, a
benzilpenicilina ou
Penicilina G. No entanto, a produção é de tal modo barata que em forma de comprimidos, a
fenoximetilpenicilina, ou
Penicilina V – sim, em comprimidos - chega ao ridículo dos cêntimos quando posto à venda em Espanha. Mas em Portugal não há desgraçado com amigdalite, ou outra afecção do espectro, que a tome por via oral. Talvez custe a engolir (é da amigdalite), mas o estojo de injecção, com toda aquele mórbido ritual, sai mais proveitoso à indústria farmacêutica, dá trabalho a enfermeiros, e portanto é mantido como a única disponível nas farmácias do rectângulo, para mal das nossas nádegas.
Estas são estratégias de mercado de uma das indústrias mais rentáveis no mundo. Faço-lhes a vénia. Polvo montado, nomenclaturas, prescritores, o contexto oportuno e a sempre boa ajuda da comunicação social constroem estes artifícios de propaganda. E a verdade está no pormenor das coisas, mas os pormenores tendem a escapar no andar apressado das vistas. Não há-de ser nada, "cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas"...