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[Avenida do Mal] E Tudo o Ventre Levou

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O vazio legal sobre a Reprodução Medicamente Assistida resultou numa lei aprovada em 2007 pelo PS e pelo BE com características um tanto ou quanto paternalistas e a roçar o tacanho. Contraditórias aliás, para quem confia na responsabilidade dos cidadãos, defendendo o divórcio a pedido, e restringe o acesso da mesma técnica às exigências de gente bem casada. Já fiz questão de abordar o assunto numa crónica anterior. No entanto pouco insisti na tentativa de estatização do útero materno.

Antes de qualquer fantasia reprodutiva, histórias da Globo, como novelas, de mães a aguentar a gestação de netos em vez da filha de ventre seco é coisa que em Portugal impossível, pelo menos oficialmente. A chamada maternidade de substituição é, aqui, interdita e penalizada com a sentença moral de mãe obrigatória.

Basicamente, um casal que deseje ter um filho biológico, gerado por fecundação de um oócito materno (retirado do ovário da mulher) e um espermatozóide do pai, assim que implantado numa mulher externa ao casal, que acordou livremente viabilizar a gestação ou a gravidez, fica privado da paternidade do rebento que dali vier a nascer. Caso a regulação vir o caso denunciado, a gestante fica de imediato com o direito sobre a criança, para lá dos penosos custos processuais.

A lei basicamente, terá por base a motivação socialista de impedir o que poderia ser um mercado de úteros, em que as barrigas de aluguer se tornariam um apetecido e lucrativo, senão um derradeiro, negócio para mulheres em difícil condição económica. Mas não é com este tipo de impedimento legislativo que se consegue fazer a prevenção da… maternidade de vão de escada.

Primariamente, o Estado deve empenhar-se na formação ética e sexual dos seus cidadãos. de modo a capacitá-los, para além doutras, de competências de negociação perante um acto que pode demonstrar-se altamente generoso, solidário e moralmente legítimo. E só depois regular as condições em que, a troco das merecidas contrapartidas, uma mulher saudável, psicológica e biologicamente disponível, possibilita a um casal de consumar o projecto de ver os seus traços no filho, abdicando de quaisquer direitos sobre esta criança.

No entanto, não devem os leitores esperar de mim uma opinião de guru dos úteros de aluguer. A qualquer casal - ou singular, porque não - com problemas de fertilidade e com desejo de educar um ou mais filhos, devem ser estimuladas as alternativas, e nisto torna-se pertinente a insistência na adopção como opção viável e valorizada. A paternidade e a maternidade fazem-se mais dos laços dos afectos do que de hélices de DNA. Mas se os tribunais se negam a entender esse valor, o legislador, na maioria dos assentos em São Bento, ainda não desfez, como faz por complicar, a complexa teia burocrática do processo de adopção.

pintura de Alice Neel

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