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Do Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo | 2

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© violentz

4. Poligamia e Incesto

Este é um argumento que procura estabelecer uma consequência lógica (eventual) entre a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a permissão de relações poligâmicas e incestuosas.

Logo à primeira vista percebemos que este é um argumento assente no medo e na sua exploração. Aliás, não é novo, tem sido utilizado ao longo dos temposMas parece-me que o próprio argumento é insustentável. A abolição dos princípios de monogamia e de proibição de incesto não são, nem de perto nem de longe, uma consequência lógica da permissão dos casamentos homossexuais.

Enquanto condutas altamente censuradas pela sociedade de hoje, a porta ao casamento poligâmico e incestuoso só será aberta pela própria sociedade. Se suceder, a seu tempo o direito irá reproduzir essa evolução.

Não nos compete a nós dizer se, para essa sociedade-futura, algo é inadmissível, intolerável ou censurável. Pelo que, embora não o defenda hoje, admito que a sociedade possa vir a aceitar e tolerar essas condutas. Como veio a aceitar e generalizar o divórcio, como tem vindo a aceitar novas formas de família e ainda a homossexualidade em si, primeiro, e progressivamente as suas uniões, culminando com a expressa proibição constitucional da discriminação pela orientação sexual.

5. A falência do casamento e a sua simbologia

Basicamente é o argumento que pergunta: Porque querem os homossexuais o casamento se há tantos divórcios? Se é só pela sua simbologia?

Tem existido uma tendência para aproximar e em certos aspectos confundir certas características e direitos e deveres do casamento com os da união de facto. O casamento no sentido de uma maior liberdade e a união de facto no sentido de maiores garantias e segurança. Porquê? As pessoas, timidamente, procuram na União de Facto aquilo que o desadequado e falido Casamento não lhes oferece.

É certo que cada vez há mais divórcios, mas isso que dizer que as pessoas continuam a casar, que as pessoas optam pelo Casamento por alguma razão e que não aderem tanto às Uniões de Facto por alguma razão. A meu ver, isso deve-se a essa simbologia. Heterossexuais ou homossexuais, temos todos uma herença e um desenvolvimento socio-cultural comum.

6. O Vrrrrrhiec

O que nos leva para a ideia de conferir os (ou sensivelmente os) mesmos direitos e deveres que existem no casamento, mas dar-lhe um nome diferente.

Simplesmente: não faz qualquer sentido existir um contrato de “casamento” idêntico, mas com outro nome. Se quiserem pode-se entrar em nominalismos ou conceptualismos. Com a certeza de que, dada toda a evolução do percepção do casamento pela sociedade, o seu eventual realismo está a afastado. A reductio ad absurdum do Vrrrrrrrhiec demonstra-o

7. Prioridade?

Diziam no Sine die: "«Um argumento esgrimido contra a aprovação do projecto que prevê os casamentos homossexuais é o de que não se trata de “questão prioritária”. Trata-se obviamente de um argumento apresentado por heterossexuais, porque estes não precisam daquele projecto para nada."

De facto, é natural que os heterossexuais não sintam interessa na matéria e, naturalmente, não a achem prioritária. Mas esta é uma questão de princípio. Este argumento conduz a uma discriminação das minorias – qualquer que ela seja – por uma questão de princípio.

Do Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo | 1

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© muriloribas

No início do ano, ainda antes de começar a escrever aqui no Avenida Central, dediquei, no meu blogue, uma série de posts à questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Sem querer estar a repetir tudo, sobretudo por ainda serem algo extensos, deixo-vos, em dois posts, uma súmula dos argumentos e contra-argumentos a favor do dito casamento que lá expressei, assim como ligações para os respectivos posts, se os pretenderem ver mais desenvolvidos.

1. Do que não interessa para a discussão e do que interessa para a Igreja

Uma das notas fundamentais que a Igreja defende no seu casamento, católico, é a ideia da procriação [Cânone 1055 §1]. Ou seja, se no casamento civil 1+1 pode ser igual a 2, no católico, em princípio, nunca deve ser [Cânone 1101 §2]. Expressões desta lógica são a dissolução do casamento não conusumado [Cânone 1142] e a da dissoluação do casamento quando a impotência de um dos cônjuges preceder o casamento, "pela própria natureza deste" [Cânone 1084 §1]

Daqui não adviria nada de extraordinário se a Igreja não procurasse transpor estas ideias próprias da realidade católica, dando a entender à comunidade que estas (suas) ideias sobre o casamento e sobre a família, são também as ideias constantes da lei civil – e que, ultimamente, são as que interessam para a discussão, independentemente do (a)moralismo da coisa.

Se verificarmos o que a Igreja defende em relação à adopção por casais homossexuais, o seu argumento passa, invariavelmente, pela ideia de que na educação da criança deve existir uma figura masculina e uma figura feminina.

Isto afasta, evidentemente, essa adopção por parte de um casal homossexual, como afasta também a adopção a título individual, por uma só pessoa, quer esta seja homo ou heterossexual. A Igreja, bem ou mal, ao defender essa ideia (da necessidade de) duas figuras parentais de sexo diferente, está-se a opor a todas as famílias (ainda que os filhos sejam biológicos) monoparentais. Está-se a opor às famílias constituídas por um(a) tio(a) e um(a) sobrinho(a) ou por um(a) avô(ó) e um(a) neto(a), por exemplo.

Serve então isto para tornar claro que a (única) família que a Igreja concebe e defende não é o único tipo de família que existe na sociedade. Com certeza que a Igreja pode defender a sua concepção de família (e é isso que lhe interessa, obviamente); mas, para a sociedade, esse conceito de família – bem ou mal – já faliu, ou é insuficiente, há muito tempo.

2. A tese do "modelo social" e da "reposição geracional"

Trata-se de um argumento bastante entranhado pela ideologia e concepção católica da família e do casamento. Afiança, quem defende esta tese, que o futuro da sociedade ficará em risco.

Mas sobre isto o Eduardo Maia Costa, no Sine Die, resume muito bem: (a) "os homossexuais nunca contribuirão para a dita "reposição", quer lhes permitam que se casem, quer não"; (b) "Então e os solteiros? E os inférteis? E os casados sem filhos, por opção"; (c) "Aliás, há "modelos sociais" em democracia? O cidadão casado é melhor do que o solteiro? O cidadão com filhos é melhor do que o sem prole? O cidadão com dois filhos é melhor (por fazer uma melhor "reposição geracional") do que aquele que só tem um?"

3. A "descaracterização" do casamento [1, 2] e a evolução [12]

Estes argumentos passam pela ideia de que "o casamento e a família são o que são, o que sempre foram ao longo dos tempos" e de que existem características do casamento absolutamente incontornáveis, ideias que partem de um princípio errado de imutabilidade dessas concepções.

É impossível sumarizar tudo o que escrevi nos dois posts [1, 2], pois teria de fazer uma contextualização bastante grande, de modo que ficam as seguintes ideias, exemplificativas dessa forte mutabilidade:

De 1966 até aos dias de hoje o divórcio sofreu uma enorme mutação. Se em 1966 era um elemento característico do casamento, sendo proibído, com o tempo este passou a ser possível e cada vez menos censurado e mais facilitado. Também antes da revolução as mulheres tinham direitos vertiginosamente desiguais em relação aos homens, dentro do casamento. Indubitavelmente, também um traço característico do casamento, como era entendido nesses tempos.

Diga-se que, embora se tratem de mudanças legais, repercutiam, em grande medida uma mudança social. Do mesmo modo, em 2001, veio a lei das Uniões de Facto (e não só) reconhecer, como já se reconhecia socialmente, a existência de outras realidades familiares, de outras uniões, onde se incluiam as uniões entre duas pessoas homossexuais.

Se esta pretensão que se tem hoje "redunda numa crítica radical à própria instituição do casamento", não é menos verdade que essa mesma crítica existiu a propósito do divórcio e dos direitos das mulheres. O mesmo se diga, por exemplo, dos EUA e da proibição do casamento inter-racial. De facto, a forma como a sociedade conceptualiza o que também é um instituto jurídico pode evoluir. Mais cedo ou mais tarde, o Direito tenderá a seguir essa evolução.

Da Adopção

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Não consigo compreender esta celeuma com a adopção por parte de casais homossexuais. Por um lado, o PS afiança que ainda que se permitam os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, não se irá alterar a lei quanto à adopção. Por outro lado, os partidos mais à direita e a Igreja dizem que casamento ainda vá que não vá, mas adopção (plena, presumo) jamais.

Desde logo, hoje em dia, nada impede uma pessoa de adoptar, sozinha e independentemente da sua orientação sexual. Se depois vive efectivamente com outra pessoa ou não, do mesmo sexo ou não, é irrelevante. A avaliar pela forma como falam nisto, parece que a possibilidade de um homossexual adoptar é uma grande novidade.

Ora, para duas pessoas adoptarem conjuntamente, para além de outros requisitos, têm de ser casadas. É óbvio que face ao contexto legal actual, está aqui implícita uma restrição quanto à orientação sexual. Mas a admissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a meu ver, implica necessariamente a permissão de adopção. Não é necessário mudar a lei nesse particular, pois esta fala apenas em pessoas casadas. De modo que me faz alguma confusão a posição do PS.

Mas faz-me ainda mais confusão a posição da Igreja e da direita. Igualmente, parecem ficar satisfeitos com essa palavra do PS, como se fosse uma interpretação vinculativa. Por outro lado, ao oporem-se à adopção, ainda que exista casamento, pergunto: mas qual seria a redacção que dariam à norma da adopção de forma a contornar a inconstitucionalidade da discriminação pela orientação sexual? Talvez seja uma questão de imaginação... mas parece-me incontornável.
"Mi vida en tus manos", um filme de Nuno Beato

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