Do Casamento Entre Pessoas do Mesmo Sexo | 1
© muriloribas
No início do ano, ainda antes de começar a escrever aqui no Avenida Central, dediquei, no meu blogue, uma série de posts à questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Sem querer estar a repetir tudo, sobretudo por ainda serem algo extensos, deixo-vos, em dois posts, uma súmula dos argumentos e contra-argumentos a favor do dito casamento que lá expressei, assim como ligações para os respectivos posts, se os pretenderem ver mais desenvolvidos.
1. Do que não interessa para a discussão e do que interessa para a Igreja
Uma das notas fundamentais que a Igreja defende no seu casamento, católico, é a ideia da procriação [Cânone 1055 §1]. Ou seja, se no casamento civil 1+1 pode ser igual a 2, no católico, em princípio, nunca deve ser [Cânone 1101 §2]. Expressões desta lógica são a dissolução do casamento não conusumado [Cânone 1142] e a da dissoluação do casamento quando a impotência de um dos cônjuges preceder o casamento, "pela própria natureza deste" [Cânone 1084 §1]
Daqui não adviria nada de extraordinário se a Igreja não procurasse transpor estas ideias próprias da realidade católica, dando a entender à comunidade que estas (suas) ideias sobre o casamento e sobre a família, são também as ideias constantes da lei civil – e que, ultimamente, são as que interessam para a discussão, independentemente do (a)moralismo da coisa.
Se verificarmos o que a Igreja defende em relação à adopção por casais homossexuais, o seu argumento passa, invariavelmente, pela ideia de que na educação da criança deve existir uma figura masculina e uma figura feminina.
Isto afasta, evidentemente, essa adopção por parte de um casal homossexual, como afasta também a adopção a título individual, por uma só pessoa, quer esta seja homo ou heterossexual. A Igreja, bem ou mal, ao defender essa ideia (da necessidade de) duas figuras parentais de sexo diferente, está-se a opor a todas as famílias (ainda que os filhos sejam biológicos) monoparentais. Está-se a opor às famílias constituídas por um(a) tio(a) e um(a) sobrinho(a) ou por um(a) avô(ó) e um(a) neto(a), por exemplo.
Serve então isto para tornar claro que a (única) família que a Igreja concebe e defende não é o único tipo de família que existe na sociedade. Com certeza que a Igreja pode defender a sua concepção de família (e é isso que lhe interessa, obviamente); mas, para a sociedade, esse conceito de família – bem ou mal – já faliu, ou é insuficiente, há muito tempo.
2. A tese do "modelo social" e da "reposição geracional"
Trata-se de um argumento bastante entranhado pela ideologia e concepção católica da família e do casamento. Afiança, quem defende esta tese, que o futuro da sociedade ficará em risco.
Mas sobre isto o Eduardo Maia Costa, no Sine Die, resume muito bem: (a) "os homossexuais nunca contribuirão para a dita "reposição", quer lhes permitam que se casem, quer não"; (b) "Então e os solteiros? E os inférteis? E os casados sem filhos, por opção"; (c) "Aliás, há "modelos sociais" em democracia? O cidadão casado é melhor do que o solteiro? O cidadão com filhos é melhor do que o sem prole? O cidadão com dois filhos é melhor (por fazer uma melhor "reposição geracional") do que aquele que só tem um?"
3. A "descaracterização" do casamento [1, 2] e a evolução [1, 2]
Estes argumentos passam pela ideia de que "o casamento e a família são o que são, o que sempre foram ao longo dos tempos" e de que existem características do casamento absolutamente incontornáveis, ideias que partem de um princípio errado de imutabilidade dessas concepções.
É impossível sumarizar tudo o que escrevi nos dois posts [1, 2], pois teria de fazer uma contextualização bastante grande, de modo que ficam as seguintes ideias, exemplificativas dessa forte mutabilidade:
De 1966 até aos dias de hoje o divórcio sofreu uma enorme mutação. Se em 1966 era um elemento característico do casamento, sendo proibído, com o tempo este passou a ser possível e cada vez menos censurado e mais facilitado. Também antes da revolução as mulheres tinham direitos vertiginosamente desiguais em relação aos homens, dentro do casamento. Indubitavelmente, também um traço característico do casamento, como era entendido nesses tempos.
Diga-se que, embora se tratem de mudanças legais, repercutiam, em grande medida uma mudança social. Do mesmo modo, em 2001, veio a lei das Uniões de Facto (e não só) reconhecer, como já se reconhecia socialmente, a existência de outras realidades familiares, de outras uniões, onde se incluiam as uniões entre duas pessoas homossexuais.
Se esta pretensão que se tem hoje "redunda numa crítica radical à própria instituição do casamento", não é menos verdade que essa mesma crítica existiu a propósito do divórcio e dos direitos das mulheres. O mesmo se diga, por exemplo, dos EUA e da proibição do casamento inter-racial. De facto, a forma como a sociedade conceptualiza o que também é um instituto jurídico pode evoluir. Mais cedo ou mais tarde, o Direito tenderá a seguir essa evolução.
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Se a Igreja resolvesses os seus problemas não fazia nada mal...
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