Nunca os políticos e os partidos estiveram tão dependentes dos órgãos de comunicação social, em particular das televisões, para fazer chegar as suas mensagens ao eleitorado. A alergia quase generalizada à participação cívica e a nacional aversão à leitura, dos livros infantis aos jornais diários, são alguns dos principais justificativos para essa dependência.
A política passou a fazer-se no palco televisivo e, como numa verdadeira peça de teatro, tudo é encenado até ao pormenor aparentemente mais insignificante. Os actores políticos não escolhem apenas os fatos e as gravatas, mas também o tom de voz, a pose corporal e a expressão facial. A palavra, sempre tão decisiva, perdeu a sua genuinidade autêntica para ser cozinhada até à sílaba mais irrelevante em verdadeiros laboratórios de marketing.
É inegável que, mesmo sem ser pioneiro, José Sócrates tem sido o protagonista mais irrepreensível de uma política-espectáculo em que a discussão das ideias tem sido secundarizada pela exposição das fraquezas dos adversários.
Não escondo a náusea que me causam certas poses de Estado, sabendo-se que não passam de charme meticulosamente treinado para o palco em que tornaram o circo político português. E depois, quando cai a cortina do show, borra-se a pintura com uma naturalidade que assusta e, invariavelmente, o desenlace faz-se também no palco mediático com público e comiserado acto de contrição.
O episódio mais recente sucedeu neste fim de semana. Em pleno congresso socialista, José Sócrates anunciou que vai levar o caso Freeport a votos. O anúncio era desnecessário quando se sabe que o Primeiro Ministro não é arguido nem suspeito, mas questões de estratégia eleitoral parecem justificar que o caso seja convertido em arma de arremesso político. É o último capítulo da história de um sistema judicial que caiu nas ruas (da amargura). A fórmula, que já fora testada por Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Isaltino Morais, favorece invariavelmente as supostas vítimas. Manda o politicamente correcto que os adversários políticos sejam comedidos na sua utilização mediática e mostra a experiência do passado recente que estes casos não têm grande influência nas escolhas dos portugueses.
A teatralização da política e a eleitoralização da justiça aliadas à higienização do debate público e à falta de «cultura de liberdade individual» são condimentos altamente tóxicos para a democracia, criando um clima de suspeição muito favorável ao crescimento de movimentos radicais e marginais que se poderão revelar perigosos para a estabilidade governativa. São também os principais sintomas de uma letargia cujos efeitos poderão ser muito nefastos para o futuro do país. Que, ao menos, a indignação [exemplarmente cantada por Miguel Torga] lhe resista.
E o que não presta é isto,
esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.
Não te esqueças que é a mesma fórmula que Mesquita Machado, ainda há bem pouco tempo utilizou no caso do inquérito judicial a que foi sujeito "Os bracarenses responderão nas eleições", diziam então.
ResponderEliminarSerá que não há assuntos mais importantes do que referendar o nome de um hospital. Por favor.
ResponderEliminarJoão Pereira
www.planetalima.com
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Concordo com o teor do post, mas apreciei especialmente a citação do poema de Torga, perfeitamente adequado ao contexto. Fiquei com pena de o não ler na íntegra, porque não vinha a despropósito e demonstrava a actualidade (triste?) deste poema.
ResponderEliminarQueixam-se que as cerimónias do 10 de Junho são muito chatas... é natural que não quizessem repetir o erro.
ResponderEliminarAfinal o povo agradece.
Manuel Gouveia
http://em2711.blogs.sapo.pt/