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O Veto Ideológico

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«Numa situação de violência doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo dos anos - uma realidade que não é rara em Portugal -, é possível aquele obter o divórcio independentemente da vontade da vítima de maus tratos[Mensagem do Presidente da República]

Quem lê a frase supracitada sem complexos ideológicos ou preconceitos religiosos, depressa se apercebe do absurdo em que se cai quando se pretende proteger a família por via da criação de entraves legais ao divórcio. Porque há-de o Estado de obstaculizar o divórcio daqueles que selvaticamente agridem as suas próprias mulheres? Será o casamento socialmente mais relevante do que o direito a não ser agredida pelo próprio cônjuge?

Há muito quem entenda que sim e, não se contentando com uma vida segundo os princípios em que acredita, pretende impô-la aos outros pela via legislativa. Não deixa de ser exemplificativo que a Igreja Católica reaja no mesmo tempo que os partidos políticos, afirmando que o diploma vetado é «ofensivo do valor da religião» e acusando a Assembleia da República de legislar com «leviandade» [sobre o despropósito desta acusação, sugiro a leitura de Max Spencer-Dohner, Tiago Barbosa Ribeiro e Filipe Tourais].

Vital Moreira chama a atenção para a «ampliação da intervencão presidencial na função legislativa» que está subjacente a este veto político. Em boa verdade, o veto é essencialmente ideológico, assentando na visão do Presidente sobre o que deve continuar a ser e a significar o casamento civil. Esta é uma posição inegavelmente legítima, mas que o tempo inevitavelmente se encarregará de demonstrar equívoca - não é possível continuar a ignorar que o casamento e a família estão em constante mudança.

4 comentários:

  1. O instituto do casamento conforme está presente na lei estatui que este é um contrato de cariz pessoal e que implica direitos e deveres.
    Aquilo que se tentou fazer com este projecto do lei era pura e simplesmente desresponsabilizar as partes e lançar este contrato (casamento) a um patamar inferior a qualquer contrato promessa sobre uma casa ou um automóvel.
    Tentou-se passar a mensagem de que as pessoas podem assumir um compromisso desta importância e passado algum tempo fazer tábua raza sem assumir responsabilidades.
    O veto veio manter o divórcio culposo que representa a principal defesa para a parte mais fraca, seja homem ou mulher.
    Isto significa que a parte culposa não possa sair a ganhar apesar de prevaricar como se nada se passasse.
    A exigência de se manter um conta corrente sobre a situação económica do casal seria insustentável e poderia incentivar a desconfiança.
    Não é possível incentivar as pessoas a casar dando-lhes a imagem que tal não traz exigências.
    Seria a cultura do facilitismo.
    E não podemos esquecer que divórcio por mútuo consentimento e sem dar cavaco a ninguém continua a existir.
    Não se pode esquecer também que este contrato (casamento) implica qe outros valores estejam em causa tal como os filhos.
    A igreja tomou uma posição como seria de esperar mas cada um dá-lhe o valor que entender. Não são só os bloggers que têm direito a opinar.
    O veto político é legítimo e quanto a isso nada a registar.
    Mais, quem não quer assumir as responsabilidades do casamento para além do copo de água então que se limite à união de facto.
    Só casa qem quer.

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  2. Para quem gosta tanto de citar o "Blasfémias" quando lhes interessa...

    "Publicado por Carlos Loureiro em 20 Agosto, 2008

    O Presidente da República vetou - e bem - a nova lei do divórcio, devolvendo-a ao parlamento. Os fundamentos, incontornáveis, são vários e constam da mensagem presidencial que acompanha a devolução do decreto da Assembleia da República.

    Destaco o seguinte:”o legislador, como é natural e desejável, mantém o conjunto dos deveres conjugais previsto no artigo 1672º do Código Civil, embora não associando, estranhamente, qualquer sanção, no quadro do processo de divórcio, ao seu incumprimento intencional“.

    E ainda isto:”numa situação de violência doméstica, em que o marido agride a mulher ao longo dos anos - uma realidade que não é rara em Portugal -, é possível aquele obter o divórcio independentemente da vontade da vítima de maus tratos. Mais ainda: por força do crédito atribuído pela nova redacção do nº 2 do artigo 1676º, o marido, apesar de ter praticado reiteradamente actos de violência conjugal, pode exigir do outro o pagamento de montantes financeiros.“

    E, finalmente, isto: “é também extremamente controverso, por aquilo que implica de restrição à autonomia privada e à liberdade contratual, o disposto no artigo 1790º, segundo o qual «em caso de divórcio nenhum dos cônjuges pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos»“.

    A nova lei, partindo do paradigma do casamento como um espaço de afectos, esquece aquilo que ele é, antes de mais: um contrato, do qual resultam direitos e deveres, muitos deles com carácter patrimonial, livremente assumidos e parcialmente configuráveis pelas partes, ao abrigo da tal liberdade contratual de que fala Cavaco Silva. É sobretudo nesta medida que o legislador pode ou deve intervir sobre a figura. O incumprimento de um contrato não pode deixar de produzir consequências, pelo menos e a parte lesada assim o entender.

    O Presidente chama ainda a atenção para uma contradição presente no novo articulado. Apesar de o casamento passar a ser considerado essencialmente um “espaço de afectos”, que, enquanto tal, deveria estar liberto da intervenção estadual, a nova lei promove ao mesmo tempo uma visão “contabilística”, de deve e haver permanente, potenciadora de mais conflitos e litigância judicial, consequências que a lei, paradoxalmente, diz pretender evitar"

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  3. Lendo este excerto parece que o nosso PR está preocupado com as mulheres que apanham e gostam de apanhar. Parece até que têm o direito de apanhar. O presidente até pode ter os seus motivos válidos, mas esta frase destruiu tudo....

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  4. Pois, a parte mais fraca pode "apanhar" e mesmo assim preferir manter vivo o contrato civil do casamento...Porquê?Porque existem muitas desigualdades sociais e uma separação pode implicar a venda da casa, o regresso à casa mãe com a filharada(designadamente se a aprte mais fraca for a mulher e geralmente é-o), não poder educar os filhos no sistema de ensino, muitas vezes particular, em suma "comer o que o diabo amassou"...
    Mas não será possivel acabar de vez com o casamento de Estado?Se calhar daqui a 100 anos será possivel, podendo, quem sabe constituirem-se sociedades a dois para os diversos fins, nomeadamente fiscais, ficando aí resolvida a questão da associação homosexual.
    Mas este veto também tem interesse de análise do ponto de vista politico.Acho - mas estou em minoria - que o PR, quando eleito por sufráfio directo e universal, tem direito a um largo espectro de bloqueio de actos do poder legislativo, como Eanes tinha e Mário Soares retirou...Para fazer de rainha de Inglaterra basta uma eleição indirecta na Assembleia da Republica.E é bom vetar matérias de interesse nacional quando não reunam um consenso de 2/3 da sociedade!Por exemplo, um estatuto regional(Madeira) que aprove uma lei do tabaco em contrário da lei nacional...Pena só eu pensar assim...Gosto de leis nacionais iguais em todo o país.Quando um dia for ao Algarve, não quero perguntar, primeiro, se posso cuspir no chão porque algum povo estrangeiro ali predominante em termos de turismo tem esse hábito e o Mendes Bota estatuiu isso em nome da economia (o exemplo é estupido, deliberadamente, claro.).
    Aliás um TGV, um aeroporto novo, uma central nuclear não podem ser decididos por um governo com o apoio de meros 55% do Parlamento...Daí um veto vir mesmo a calhar, se fosse legal...
    Depois perdem as eleições e os novos ocupantes do poder vão tentar emendar erros e muitas vezes pagar indemnizações...Outro exemplo são as reformas do sistema educatico, vem outro governo e inverte o modelo, ora tirando ou metendo a Filosofia e o Latim na gaveta....

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