Ao longo da última semana fomos conhecendo os resultados do inquérito "Comportamentos sexuais e a infecção VIH/SIDA", realizado pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) em 2007, na sequência de uma encomenda da Coordenação para a Infecção VIH/SIDA.
De todos os dados, aquele que mais impressiona, pela irresponsabilidade suicida que lhe está associada, é o facto de oito em cada dez portugueses afirmarem que não utilizariam preservativo numa relação com um parceiro infectado com VIH. Estes são, mais coisa menos coisa, os mesmos portugueses que se acobardaram quando um tribunal considerou legítimo o despedimento de um cozinheiro por estar infectado por aquele vírus. O paralelo, por absurdo que possa parecer, põe a nu algumas das ideias monstruosas que fervilham na cabeça de muitos daqueles com quem partilhamos o dia a dia.
Mas há mais dados para reflectir. Se não é novidade para ninguém que 40% dos homens admitam ter sido infiéis durante o casamento, também não é propriamente uma surpresa saber que a homossexualidade é desaprovada por 70% dos portugueses e, mesmo entre os mais jovens, a taxa de desaprovação nunca desce abaixo dos 50%. Estes números contrastam com os resultados de um estudo semelhante em que, segundo o jornal Público, «80% dos jovens franceses aceita as relações entre pessoas do mesmo sexo».
Somos todos responsáveis. As crenças e os preconceitos enraizados na sociedade portuguesa só se combatem com mais educação e melhor ensino, uma empreitada que não se consegue enquanto não houver coragem para enfrentar as fortes resistências da ala mais conservadora, espelho de uma sociedade que, à beira do precipício, continua empenhada em manter a fachada dos bons costumes. A educação sexual, tantas vezes prometida quantas adiada, está por cumprir-se nas escolas de Portugal e os resultados estão à vista de todos. A tragédia do VIH/SIDA atirou o nosso país para a cauda da Europa Ocidental e as perspectivas para os próximos anos são tudo menos animadoras.
Todos os portugueses deviam ler a história da SIDA. Desde os tempos em que a comunidade médica e científica embarcou na ideia de se tratar de um castigo que apenas atingia os pertencentes ao grupo dos 5 "agás" (homossexuais, heroinómanos, hemofílicos, haitianos e hookers) até à célebre rejeição de um artigo que colocava ênfase na transmissão heterossexual da doença pelo New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas publicações médicas do mundo. A lista de equívocos é interminável e muito contribuiu para que a SIDA s convertesse numa pandemia de difícil controlo.
Num texto de 1999, Francisco Allen Gomes, médico psiquiatra dos Hospitais da Universidade de Coimbra, escreve que a SIDA «tem-nos mostrado o melhor e o pior do ser humano», acrescentando que «a situação actual da pandemia e as projecções futuras indicam que serão os mais desfavorecidos a pagar a maior factura.» Na realidade, entre tanto equívoco, estigma e sofrimento, a herança da SIDA tem tido contornos de verdadeira tragédia, não havendo doutrina social que possa continuar insensível à matança por via da ignorância.
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Os dados que foram divulgados devem ser seguramente motivo para reflexões muito sérias.
ResponderEliminarTalvez devido ao meu pessimismo militante, a tendência traçada não me supreendeu, embora seja de realçar que as perguntas através das quais os valores foram obtidos podem ser – e já estão a ser – questionadas.
Em relação à homossexualidade, basta dar uma vista de olhos ao nosso historial legislativo para verificarmos que percorremos muito lentamente o percurso até à igualdade em termos legais ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade_em_Portugal, http://www.geocities.com/girl_ilga/lei.htm, http://panterasrosa.blogspot.com/2008/04/represso-da-homossexualidade-no-estado.html ).
Mais lento ainda está a ser o processo de mudança de mentalidades, não se perspectivando uma alteração substancial a breve prazo.
A questão do VIH/SIDA parece-me mais complexa, porque se misturam muitos preconceitos e ideias erróenas sobre a doença, quer (ainda) sobre as formas de transmissão (por exemplo, “um em cada dez estudantes universitários de Coimbra acredita que a pílula anticoncepcional protege da infecção por VIH/sida - http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1322332&idCanal=62), quer sobre a sua própria natureza.
O facto de se registarem melhorias ao nível do cocktail químico para o tratamento do problema está a fazer com que haja quem acredite que esta é uma doença crónica, levando à sua desvalorização.
A leviandade com que encaramos a questão a título pessoal, contrasta com os juízos de valor que fazemos em relação aos que estão infectados e com a “riscopatia” em relação aos doentes. Não se olha da mesma forma uma pessoa com Sida e um fumador de longa data a quem foi diagnosticado cancro nos pulmões…
É uma combinação muito perigosa achar que só acontece aos outros e, ao mesmo tempo, julgar os outros, ignorando os nossos comportamentos de risco.
Da mesma forma, é muito preocupante termos uma actuação incoerente face aos conhecimentos que possuímos: sabemos que devemos usar preservativo, mas insistimos em não o usar…
A educação pode ser a solução? Sim, a educação parece ser o factor decisivo para muitas coisas, mas quando se vê este sector em permaneente convulsão é inevitável ficar com alguma apreensão.
A questão da educação sexual pode ser importante, mas não me parece que o problema se esgote aí,uma vez que é profundo e transversal.
Sucessivos estudos com jovens, sobretudo universitários, têm revelado sinais preocupantes e, tendo em conta o grupo de que estamos a falar, não será seguramente por falta de possibilidade de acesso à informação (Projecto Sidadania - http://www.sidadania.com/index2.html, Sida: universitários correm risco "muito elevado" - http://site2.caleidoscopio.online.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=361&Itemid=113 ou Comportamento de estudantes aumenta risco de contágio do HIV - http://dn.sapo.pt/2004/11/30/sociedade/comportamento_estudantes_aumenta_ris.html, por exemplo).
Parece que insistimos em diagnosticar o problema, mas tardar em encontrar a solução. É tempo de repensar as estratégias e de encarar seriamente a questão. Pela nossa saúde…
"Na escala apresentada aos inquiridos eram-lhes dadas várias opções: se achavam as relações entre pessoas do mesmo sexo totalmente erradas, a maior parte das vezes erradas, algumas vezes erradas ou raramente erradas."
ResponderEliminarCom uma pergunta destas também não esperava melhor resultado do que 70% dos portugueses a repudiar a homossexualidade.. A própria pergunta é homofóbica. Parte do pressuposto de que as relações homossexuais são erradas, faltando saber a frequência desse "erro".
A pergunta deveria ser qualquer coisa como: Na generalidade as relações homossexuais são erradas, na generalidade as relações homossexuais não são erradas, não sabe/não responde.
Enfim...