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[ComUM] Quero Justiça!

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Neste país de gente falsamente comiserada, estamos ainda muito longe de conseguir a plena aceitação social da seropositividade para o HIV. É desolador que a sociedade das causas continue a olhar de modo diferente os pacientes com cancro e os pacientes com SIDA, sintetizando uma intolerável imputação de culpas aos segundos que desculpamos piedosamente nos primeiros.

Há uns dias, a ignorância travestida de moral veio desavergonhadamente plasmada nas páginas do Diário do Minho. Maria Fernanda Barroca assina um texto repugnante onde se pode ler que "muito ligada à homossexualidade está a problemática da SIDA e custa um pouco a aceitar que aqueles que aplicam ao tabaco a frase 'a natureza sempre passa factura se se vai contra ela', excluam a homossexualidade e as suas consequências dramáticas para terem para com eles e elas uma só atitude – compreensão (hipócrita, digo eu)".

No mundo preto e branco dos cânones, das regras e dos pre(con)ceitos, o sexo é pecado e o tabagismo é virtude. Daqui ao "doente da SIDA promíscuo ou drogado" é um passo muito curto. Mas como rareiam os telhados de argila, há-de vir sempre acoplado o bocejo beato e hipócrita "pode acontecer a qualquer um".

Se a discriminação é em si mesma intolerável, o que é absolutamente inaceitável e indecoroso é verificarmos que essa discriminação é perpetrada e caucionada pelas instituições que nos deveriam merecer maior respeito e insuspeição. Foi ontem notícia que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou "justificado e legítimo o despedimento de um cozinheiro infectado com HIV que trabalhava na cozinha de um hotel", ignorando dois pareceres científicos que desmentem os riscos de transmissão associados à profissão de cozinheiro.

Uma decisão desta índole tem que ser rejeitada e impugnada com todas as nossas forças. Caucionar a segregação de um infectado com HIV sem qualquer justificação sanitária é validar a discriminação e o preconceito.

Mas os casos repetem-se infelizmente com uma regularidade emética que insiste em lembrar-nos de que habitamos com um coração vazio um mundo cheio.

[escrito para publicação no ComUM]

12 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. Não me parece muito desrazoável, mas são opiniões.

    Tanto são, que tu entendes que os pareceres cientificos desmentem, o que eu li é que não esclarecem em relação ao assunto (ex: risco constante e iminente de se cortar na cozinha). Porque desmentir, directamente, pareceu-me, claramente, que não o faziam.

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  3. Caro jam,

    Esse risco não é superior ao de qualquer outro cozinheiro e exige a tomada de medidas imediatas como qualquer outro cozinheiro que se corte.

    É uma decisão claramente discriminatória.

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  4. e se o gajo se corta a fazer sushi ou punhetas de bacalhau?!?

    (sorry, às vezes brinco com coisas sérias)

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  5. estes cometários só demonstram a ignorância do país e de regiões mais rurais como Braga. Fala-se em terceira cidade do país mas em termos de mentalidades não passa de uma aldeiazita.

    Portugal consegue surpreender cada vez mais. Julgamos ser um país atrasado mas na realidade ainda é mais atrasado e retrógrado do que pensavamos.

    Petição para sermos anexados por Espanha ou pela Albania!

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  6. estes cometários só demonstram a ignorância do país e de regiões mais rurais como Braga. Fala-se em terceira cidade do país mas em termos de mentalidades não passa de uma aldeiazita.

    Portugal consegue surpreender cada vez mais. Julgamos ser um país atrasado mas na realidade ainda é mais atrasado e retrógrado do que pensavamos.

    Petição para sermos anexados por Espanha ou pela Albania!

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Não sabia que só comentavam aqui moradores de Braga... talvez me deva abster de comentar, então :-|

    Mas, escrevia só para dizer: apoiado. Esperemos que o Supremo tenha alguma coerência na sua decisão.

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  9. O que hoje já se escreveu na blogosfera sobre este assunto é, no mínimo, assustador. Acabei de vir de um blog (psicolaranja) onde os futuros políticos conservadores de amanhã aplaudem em uníssono a decisão do tribunal.

    Chegam ao ponto de comentar: e se o cozinheiro se cortar para cima de um bife? E se escarrar para o bife? Esta gente não sabe do que fala. Talevz devessem ler mais algumas coisas sobre os perigos de transmissão para perceberem a diarreia mental que estão a ter.

    Enfim, resta-me congratular-me com a tua visão! Parabéns!

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  10. «Esse risco não é superior ao de qualquer outro cozinheiro e exige a tomada de medidas imediatas como qualquer outro cozinheiro que se corte.»

    Não existe base cientifica para dizer isso, ao que parece. Como eu referi no primeiro comentário: «u entendes que os pareceres cientificos desmentem, o que eu li é que não esclarecem em relação ao assunto (ex: risco constante e iminente de se cortar na cozinha).»

    «ninguém foi infectado pelo HIV por transmissão ambiental e que as únicas formas de contágio conhecidas são as relações sexuais não protegidas»

    Desde logo, é impossível saber tal coisa. Não existe propriamente um Big Brother, para ser possível afirmar isto com total certeza. Logo, não está provado que não existe transmissão, pela simples impossibilidade de tal prova.

    «O documento científico em causa refere, de facto, que o vírus pode ser encontrado laboratorialmente naqueles fluidos mas nota que a transmissão por esta via é "zero", dado científico que é ignorado pelo magistrado Martins Alves.»

    Parece-me a mim que não foi ignorado. É impossível dizer que é "zero". Parece-me a mim que é um erro tremendo, tomar como absolutamente certas, coisas naturalmente incertas.

    E se, como referi logo no primeiro comentário, preferes a via do "absolutamente certo", a verdade é que «existe "o perigo concreto de no caso de qualquer corte ou ainda por qualquer das formas referidas (saliva, suor ou lágrimas segregados sobre alimentos) transmitir o vírus a terceiros".».

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  11. É uma questão pragmática. Das centenas de milhares de casos estudados, de nenhum se concluiu o vírus ter sido transmitido por essas vias. Logo, a probabilidade, ainda que possa ser diferente de zero, é desprezável.

    Por outro lado, caso seja efectivamente legal despedir um cozinheiro HIV+ por essa mesma razão, também será legal despedir um jardineiro (transmissão através de plantas), ou um professor de educação física (transmissão pela partilha de balneários). Assim sendo, é óbvio que as pessoas deixariam de fazer testes de HIV, uma vez que isso poderia ser usado contra elas em termos profissionais. A conclusão seria um aumento da pandemia HIV e milhares de mortes muito mais prováveis que a transmissão do HIV através da preparação de alimentos...

    Em último caso, e seguindo a tua via de raciocínio, será até melhor pôr todos os doentes HIV+ em quarentena, uma vez que não é possível provar que a transmissão pelas vias respiratórias é impossível.

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  12. Quem devia sentar-se no banco dos réus e ser condenado, deveria ser o médico que permitiu a fuga de informação por atentado à saúde pública.

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