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Democracia Participativa, por Bruno Gonçalves*

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A possibilidade de um cidadão comum poder participar activamente no processo de decisão governativa nem sempre foi uma ideia popular entre a classe política. Nos últimos tempos, em várias disputas eleitorais, notou-se que esta ideia tinha tomado novos contornos, isto é, não só existe o desejo de que as pessoas tenham um maior peso no processo de decisão das políticas que regem um país, como já se pretende que haja um processo participativo, de uma forma directa, por parte dos cidadãos.

Esta democracia participativa, que várias personalidades tanto gostam de evocar como a forma ideal de fugirmos aos problemas que a maioria dos regimes apresentam, trata-se meramente de uma ideia utópica, incapaz de ser levada à prática, seja pela cultura ou pela própria organização da maioria das sociedades. Mesmo num cenário hipotético em que este sistema fosse implementado, as suas consequências seriam letais para a sociedade.

O advento das novas formas de tecnologia fez sonhar muitos apologistas da participação directa dos cidadãos. Deparando-se com um sistema pouco eficaz, corrupto e quase sempre refém de guerrilhas partidárias no interior do hemiciclo, é possível que a ideia de fazer uma votação on-line sobre uma determinada matéria, e recolher a respectiva decisão dos cidadãos no dia a seguir, seja sugestiva, para não dizer, aliciante.

Este sistema, por mais apelativo que seja, é insustentável e rapidamente conduziria a um país estagnado nas suas políticas. Os governantes e políticos seriam reduzidos a secretários que conduziriam um país com base em gráficos, impondo sucessivas medidas contraditórias, incoerentes e impraticáveis na maior parte das vezes. Pode-se argumentar que a maioria das sociedades não está preparada para um sistema semelhante, daí que a solução seria referendar matérias ocasionalmente. É verdade que tal seria um sistema mais moderado, mas nunca existiria uma barreira clara e precisa entre as matérias e o método de decisão, algo essencial para a estabilidade e o sucesso de um modelo.

Um sistema de democracia eficaz jamais pode passar por um sistema de democracia participativa directa. Seria um notável erro político e um desastre na sociedade. A cultura de responsabilidade, transparência e progresso, tem de assentar numa cultura de representação. As eleições, os seus programas, têm que assentar numa pessoa, num grupo político, capaz de ser responsabilizado pela condução das ideias que o fizeram ser eleito. Um sistema assente no princípio da subsidariedade em democracia representativa, é o único sistema capaz de fazer face aos desafios que actualmente se proporcionam.

Segoléne Royal durante a campanha para as presidenciais francesas referiu por diversas vezes que era altura de dar voz aos cidadãos, de serem estes finalmente os responsáveis pela governação. Estas declarações quase naïves da candidata, mostram a característica mais perigosa deste tipo de democracia directa - a diluição da responsabilidade dos sucessos e fracassos de um programa, atribuídos a um conjunto de estatísticas, correspondente à sociedade.

Madame Royal não compreende o perigo desta abordagem, preferindo continuar com o seu sound-byte da démocracie participative. Esquece que o melhor sistema político continua a ser a eleição e julgamento dos representantes pelos cidadãos. E felizmente para a França, as suas ideias foram rejeitadas pelos eleitores franceses.

* Estudante de Medicina (FML). Foi colaborador da Dia D e escreve na Atlântico.

2 comentários:

  1. Porque?

    Já agora, quando o Bruno escreve "Os governantes e políticos seriam reduzidos a secretários que conduziriam um país com base em gráficos, impondo sucessivas medidas contraditórias, incoerentes e impraticáveis", imagino que quira dizer "implementando" ou coisa assim, não? (numa democracia direta pura, os governantes não "impõem" nada)

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  2. Muito interessante esta opinião. É preciso desmistificar a ideia da Democracia Participativa como sinónimo de Democracia Directa. Partilho da ideia dos que opinam que as formas de participação cidadã devem ser promovidas, qualificadas e aprofundadas, só que que não posso concordar com os defendem o governo em directo.

    A Democracia Representativa deve acolher uma maior participação dos cidadãos, mas com todos os seus defeitos está longe de estar esgotada. Os representantes devem saber escutar os seus cidadãos, mas devem ter a capacidade de governar. A Democracia Participativa é uma forma de melhorar a Democracia Representativa, nunca poderá ser uma forma de governo.

    O problema é que com o advento de novas tecnologias, muitos confundem a ferramenta com a solução. Não faltam os que, deslumbrados com as novas tecnologias da informação, vejam nelas todas as virtudes. A verdade é que há na blogosfera muitos que se acham os únicos verdadeiramente cidadãos. Os únicos que participam. Infoexcluindo todos os outros que por diversas razões não partilham da mesma fé.

    Não poderá haver Democracia Participativa sem Participação. É aqui que se encontra a chave da questão. Participação nos mais diversos níveis. Participação cidadã de quem reclama quando é mal atendido no restaurante, dos serviços, etc. Participação cidadã de quem intervém quando vê algo de errado. Participação cidadã de quem cuida das coisas públicas. Participação cidadã de quem não suja, não infringem as regras da salutar convivência.

    Há muitos que reclamam de maior participação, mas que simplesmente são cidadãos refractários. Reclamam direitos sem querer cumprir deveres. Cidadãos que não percebem os direitos que possuem, mas contra os quais reclamam. É verdade que o discurso político já percebeu que estes temas promovem algumas simpatias. É um discurso que simplesmente promove a desconfiança sem apresentar soluções. Mas por absurdo, como se pode pedir confiança na base das desconfianças?

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