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Pénis há muitos, seu palerma! (IV)

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O assunto não merece tantos escritos (I, II e III) quantos os que lhe vou dedicando, mas a perspectiva de Francisco Teixeira, partilhada nas páginas do Jornal de Notícias, não pode deixar de ser relevada no Avenida Central. É o melhor texto que li sobre a matéria, sintetizando o essencial da questão (destaques da minha autoria). Embora mereça ser lido na íntegra, fica aqui um excerto:

Vale a pena assinalar que a estátua de D. João Peculiar já tem quatro anos naquela localização. No entanto, só volvido todo esse tempo é que ela se transforma em notícia, mostrando com elevada eloquência que as notícias dependem muito mais da selecção realizada pelos jornalistas que da valia intrínseca da referência noticiosa (cuja existência, aliás, se torna, então, altamente duvidosa). O que isto que dizer é que as notícias, a informação, correspondem não tanto a uma factualidade (a algo independente do observador) mas antes a uma selecção da realidade, o que nos conduz à conclusão de que as notícias, i.e., os factos noticiosos, correspondem muito mais a construções, a escolhas selectivas, que a descrições brutas de uma qualquer referência pura. (...)

Aquilo que não existia informativamente e noticiosamente, embora existisse como referência física, passa a marcar a estação e a aparecer como uma autêntica realidade noticiosa, envolvendo os mais altos dignatários da cidade dos arcebispos, a Roma portuguesa, numa espiral de ridículo que bem mereceria ser analisada, ou transformada, em metáfora da verdade profunda da cidade. Mas, mais uma vez, não é isso que pretendo fazer aqui.

Veja-se, sucintamente, como a coisa surgiu. Um presidente de junta sente-se ofendido pelos risos irónicos dos turistas em face da ponta fálica do báculo de D. João e comunica-o ao Presidente da Câmara e à Arquidiocese. Essa preocupação passa para a imprensa. A partir daí o comboio não pára mais e perde toda a possibilidade de controle. O jornalista sorri e descobre que a estátua não tem autor nem propriedade, o que é particularmente afim daquilo que é proibido. O vigário-geral da arquidiocese emite juízos de gosto sobre a estátua e sobre o báculo, o povo concorda entre sorrisos, Mesquita Machado desvaloriza (aparentemente compreendendo o risível da situação mas, ainda assim e ainda que a contragosto, colocando-se no centro da operação). Entretanto, anuncia-se para a reentrada político-religiosa uma reunião das cúpulas da cidade para analisar o bom ou mau gosto do báculo de D. João Peculiar. Em Setembro, já depois de amanhã, veremos. Mas quer a reunião de crise se faça ou não, a coisa já corre pelos seus próprios pés, como se a notícia tivesse vida própria, como se as palavras, as contradições, os adjectivos e os substantivos já não tivessem autores mas fossem, elas mesmas, os autores das notícias. Quer a reunião se faça ou não, sempre haverá notícia da sua realização ou da sua ausência; insistir-se-á em saber quem é o autor da estátua e o seu proprietário; exigir-se-á a opinião do própria arcebispo, entretanto de férias. No limite, tentando-se vogar por sobre a autonomia da notícia, analisar-se-á a sua ontologia, esse seu modo de ser que, aparentemente, se ri de nós, como se fossemos nós a invenção e a construção do risível que se ri de nós.

5 comentários:

  1. porque carga de água há quem insista em esconder a paternidade????

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  2. Tudo isto foi muito bom. Promoveu a cidade, o largo (que é muito bonito e merece mais atenção) e a masculinidade que Freud tanto falava. Já passei por aquela estátua muitas vezes e já lá levei muitos amigos, de muitas nacioanalidades. Nunca ninguém reparou nas propriedades fálicas do cajado.

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  3. Sondagem sobre o báculo Peculiar em "Bracara Angustia" e ponto final na coisa.

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