Será Possível Valorizar a Memória de Braga?
A insula das Carvalheiras principiou a ser escavada em 1985, a pedido da Câmara Municipal de Braga. A autarquia pretendia instalar no local a Escola da Sé, mas a sensibilidade arqueológica da zona exigia estudos arqueológicos prévios. As sondagens, dirigidas por mim e por Manuela Delgado revelaram o cruzamento de duas ruas romanas, bem como as ruínas de parte de uma insula, ou seja de uma unidade residencial-comercial de Bracara Augusta. Face ao interesse da descoberta foi afastada a hipótese de construir a Escola e desde logo pensou-se em musealizar as ruínas.
No entanto o projecto ficou adormecido durante vários anos. Posteriormente o arquitecto e arqueólogo Theodor Hauschild, do Instituto Arqueológico Alemão, numa das suas deslocações a Braga, como consultor da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, recomendou vivamente o alargamento dos trabalhos. Segundo ele era uma oportunidade única de se conhecer as dimensões do módulo do urbanismo de Bracara, uma vez que não havia edifícios recentes em redor. Manuela Martins seguiu os conselhos do especialista alemão. Assim sob a orientação da Presidente da UAUM, de forma determinada e com afinco, após várias campanhas foi possível definir a insula, a sua estrutura e as fases construtivas. Posteriormente no âmbito do Mestrado de Arqueologia, o arquitecto José Rui Coelho da Silva procedeu à reconstituição do edificado (em 2000). Com base nas plantas produzidas o Laboratório de Informática da UAUM (Paulo Bernardes) realizou a reconstrução tridimensional da insula, ou melhor das duas fases mais expressivas (épocas dos Flávios e dos Antoninos).
Deste modo o conjunto, divulgado na comunidade científica, passou a ser visitado com alguma frequência, mesmo por professores e estudantes da Universidade de Santiago de Compostela. No entanto a Câmara Municipal de Braga considerou que não se justificava musealizar as estruturas, sugerindo que o melhor modo de as proteger era reenterrar as ruínas. Insistiram e estiveram quase a levar por diante a sua ideia não fosse a opinião contrária do arquitecto e arqueólogo catalão Ricardo Mar que sublinhou o interesse de se preservar um conjunto urbano clássico tão elucidativo. Foi assim reforçada a posição da UAUM. Relutantemente a CMB resolveu encarar a possibilidade de concretizar a ideia. Mas já se passou uma legislatura e nada. Terá sido apresentado um projecto que fechava as ruínas numa caixa de cimento e que foi reprovado pelo IPPAR.
Hoje acredito que a Presidência da autarquia sempre se opôs à valorização da insula das Carvalheiras porque a geometria do conjunto assusta os governantes da cidade. Querem evitar que os cidadãos de Braga entendam o modelo do urbanismo romano porque precisam de manter as populações no desconhecimento. O convívio de público infantil e adulto com alicerces de ruas ortogonais, passeios porticados, lojas articuladas com residência, pode ser algo tão perigoso como os livros, a arte ou a música.
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Têm palpitações quando se lembram que os seus antecessores (esse tempo é tão longe que quase não conseguem situar no tempo) foram muito melhores e mais capazes do que eles algum dia serão...
ResponderEliminarCaro Dr. Francisco Sande Lemos,
ResponderEliminarÉ inegável a importância arqueológica e histórica para Braga, Noroeste Português do bairro das carvalheiras. Porém actualmente a zona encontra-se votada ao mais completo abandono estando sujeita a riscos como o vandadismo e os agentes erosivos. Tais riscos podem criar irreparaveis dados a esse patrimonio posto a descoberto. Assim impõe-se uma de duas: ou um projecto de conservação / Valorização, ou em falta deste (por motivos inedubitavelmente fortes), o seu aterro seria uma forma de, pelo menos, minorar os riscos a que o sítio esta actualmente sujeito.
Caro Arqueólogo Francisco Lemos,Creio que esta comunicação é muito oportuna, tendo em conta que Braga parece estar ávida de conhecer o seu património. De facto, um património musealizado é um conhecimento civil e civilizacional valorizado. A nossa história e a nossa cultura só podem ser entendidas mediante o traço evolutivo que podemos aferir, tal como dizia Bocage, de onde vimos e para onde vamos.
ResponderEliminarE este conhecimento é pernicioso, diz o executivo de Mesquita Machado, porque se as pessoas entenderem e aprenderem a gostar do seu património, haverá menos destruição de monumentos ou de sítio patrimoniais, logo deixará de haver terrenos caros para construções baratas. E assim, os negócios sujos e demasiado ilícitos deixarão de ser rentáveis em Braga, correndo esta o risco de se tornar uma cidade transparente. E isso é tudo o que Mesquita Machado não pode tolerar. Por isso, agradecemos que dê o seu contributo para nos mostrar o caminho para amarmos a nossa história e termos orgulho no património.
Batalharemos com as armas que temos...!
É perigoso como teria sido o Techvalley que nunca saíu do papel. Nada que possa alterar o paradigma instalado. Ao serviço dos do costume.
ResponderEliminarMesquita Machado (1976;2013) = Salazar (1932;1968) + 1!!!
A ver se eu percebo sr/srª Lois:
ResponderEliminarHá uma "coisa" muito importante e valiosa - pelos vistos, unanimemente considerada - na cidade.
Como todas as "coisas" importantes e valiosas de uma cidade, também esta deve ser, natural e obviamente, preservada com orgulho e cuidado para mostrar a todos, os de cá e os que nos visitam.
Mas, essa "coisa" importante e valiosa, em vez de estar a ser preservada com orgulho e cuidado para mostrar a todos, está a ser negligenciada, ignorada olimpicamente, como só os ignorantes o sabem fazer.
Solução: Para que não se estrague essa "coisa", tapa-se, "aterra-se". Para não estragar.
Fantástica ideia, de facto.
Direi mais, aterradora.
Bravo...
GS
Boa Noite!
ResponderEliminarNo texto que assinei não está em causa a protecção da Insula das Carvalheiras, que nos termos da Lei deve ser assegurada pela entidade proprietária do terreno, neste caso a Câmara Municipal de Braga, que dispõe de um Gabinete de Arqueologia.
Nesse sentido deveria providenciar para que as estruturas fossem conservadas enquanto o projecto de musealização não avança.
A questão enunciada é outra: porque é que a Presidência da Autarquia não promove o conhecimento do urbanismo romano de Braga e prefere investir noutras iniciativas?
Francisco Sande Lemos
É comum dizer-se "a curiosidade matou o gato". Eu acho que eles têm medo que morramos todos de uma só vez.
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