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Preto, Branco e Talvez Cinzento

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© BasLeiden

O diálogo político substantivo na sociedade portuguesa tem caído a olhos vistos. Ano sim, ano não, vemos os principais protagonistas a envolverem-se em tricas que nada têm que ver com a nobreza de uma actividade que confronta pontos de vista distintos, por vezes mesmo paradoxais.

Desde o 25 de Abril que Portugal, ao invés de gozar de um debate ideologicamente vivo e descomprometido, tem vindo progressivamente a perder essa aura inicial. É normal que o radicalismo tenha esmorecido, é normal que as convergências de blocos centrais e de lutas contra totalitarismos de esquerda tenham aproximado os principais partidos de governo. Tudo isso, a bem dizer, é aceitável numa sociedade democrática.

O que me parece menos normal é que esse empalidecimento ideológico tenha dado lugar a autênticos hermafroditas políticos que não são nem carne nem peixe. Já não digo que se posicionem à direita ou à esquerda, mas ao menos que se identifiquem com a matriz de pensamento do partido que representam e sejam consequentes.

Hoje temos autarcas e políticos da mais variada estirpe que são PS/PSD porque o são desde o 25 de Abril, porque era o partido que estava mais à mão, ou o contrário, porque era o candidato que estava mais à mão para o partido. As feridas mal saradas de um período revolucionário deixaram muita gente confusa, com medo da direita porque significava o fascismo e da esquerda (ainda que menos) porque havia uns seres que comiam criancinhas ao pequeno-almoço, numa visão ascética e iconoclasta da vida pública.

Para mim, como está bom de ver, este cinzentismo dos brandos costumes aplicado à política, que obriga a que, ainda hoje, seja preciso pensar duas vezes sempre que se expressam as convicções de cada um, condena o debate político à nulidade. De um lado somos a favor do mercado, mas atenção que gostamos dos subsídios do Estado e do outro adoramos o Estado social(ista), mas as empresas são um bom retiro para a reforma.

Espantam-se depois que haja um afastamento dos eleitores. Se querem cativar as pessoas, se as querem trazer para a política e para a participação cívica é forçoso que estejam bem claras as diferenças entre os planos. Não podemos esperar que uma escolha entre o lilás e o roxo cative paixões. Não advogo realidades de preto e branco, mas até a realidade é mais clara do que essa mistela de interesses politicamente esterilizada.

1 comentário:

  1. João, a verdade é que o cinzentismo é o fim de linha para quem não quer ser radical e quadrado no compasso político.

    A gestão ideológica de si numa sociedade geradora de desigualdade, sem sentido solidário, altamente competitiva e gananciosa, não vê esperança em nomenclaturas coorporativas nem nomenclaturas do estado. Não há um sentimento dos outros. Antes um deturpado sentimento de si.

    Nunca se fará preto ou branco de outra forma, porque nem pode. A humanidade é um espectro contínuo de melanina.

    As dúvidas sobre as soluções a dar ao sistema que temos é que em vez de de unir, faz por separar ainda mais, como se a minha dúvida fosse melhor que a tua... Amén!

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