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As Contas do Futebol

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O despovoamento dos estádios nacionais, contrastante com as casas cheias de outras paragens, é um dos condicionantes que mais tem contribuído para a crise que se abateu sobre o futebol português. O problema da falta de adeptos nos estádios é complexo, resultando de uma miríade de condicionantes que importa analisar em detalhe.

1. O facto de existirem três clubes que absorvem a esmagadora maioria dos adeptos espalhados por todo o país resulta numa distribuição muito assimétrica das receitas tendo como consequência uma diminuição da capacidade competitiva dos outros clubes e, por arrasto, das próprias competições desportivas. Como os órgãos de comunicação social são mais sensíveis às audiências do que aos critérios informativos, a informação desportiva é distorcida, tanto em qualidade como em quantidade, em favor dos chamados grandes, contribuindo para manter um ciclo vicioso em que notoriedade significa mais adeptos e mais receitas. Neste ponto, as perspectivas são muito negras quando se constata que nem a RTP nem os restantes órgãos do serviço público estão interessados em quebrar o ciclo vicioso, apesar de todos os apelos do seu Provedor.

Ao contrário do que sucede por toda a Europa, não há mais do que três candidatos ao título no nosso país, onde apenas conhecemos cinco clubes campeões nacionais. Mas se tivermos em conta que o Boavista foi campeão fruto de condições especialíssimas e irrepetíveis ao nível do controlo dos órgãos directivos das instituições que gerem os campeonatos profissionais e que o Belenenses conseguiu esse feito no dealbar das competições futebolísticas nacionais, depressa se percebe a impossibilidade de facto de outros clubes conseguirem tal proeza. Registe-se, para que não falemos sempre no abstracto, que a Inglaterra já conheceu 17 campeões, a Espanha 8, a França 18, a Itália 12, a Holanda 13 e a Alemanha 14.

2. O facto das transmissões televisivas se terem convertido numa das grandes fontes de financiamento do futebol nacional resulta na sobrevalorização do telespectador comparativamente com o espectador de estádio, sacrificando os horários apetecíveis para ir à bola em função dos interesses das televisões. Não espanta que os estádios se encham nas tardes de Sábado e Domingo em Inglaterra, estando cada vez mais vazios nas gélidas noites de Sexta, Domingo e Segunda em Portugal.

No mesmo sentido, o encadeamento das transmissões de vários jogos é um convite a ficar em casa. Depois de uma tarde com Manchester-Portsmouth e com Inter-Udinesse, quem é que se levanta do sofá para assistir no estádio a uma partida da Liga Portuguesa, interrompida sessenta vezes pelo apito do árbitro mais as sete paragens forçadas para assistir o jogador manhoso que apenas quer perder tempo?

3. O facto dos preços dos bilhetes estarem tantas vezes desligados da realidade sócio-económica nacional e local é outro dos factores que mais tem contribuído para o esvaziar dos estádios. Como bem demonstra a trágica experiência de alguns projectos culturais, os preços a praticar nem sempre podem ser condizentes com a qualidade do espectáculo, sob pena de se hipotecarem todas as hipóteses de ter assistência. Mais: os clubes devem ter consciência do que custa nos dias que correm ter uma assinatura da SportTV e assistir a dezenas de jogos de qualidade todas as semanas.

4. Mas se o espectáculo do futebol nacional mobiliza extraordinárias audiências televisivas, a que se deve a incapacidade para levar adeptos aos estádios? O assunto merece seguramente uma detalhada análise sociológica, mas arriscamos encontrar na cultura nacional e, mais abrangentemente, na genética social mediterrânea algumas das necessárias respostas. Será que a imagem do português comodista e borlista explica tudo?

8 comentários:

  1. O nosso futebol precisa de ir abaixo durante uma época para reflexão!!

    Uma época sem futebol por uma liga melhor.

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  2. Concordo com a análise que fazes do futebol nacional. Não concordo com a causalidade entre esses factos e a quebra de assistências nesta época.
    Em Espanha o cenário é igual. Com perdas brutais de espectadores. O Barcelona, por exemplo, tem menos 10 mil pessoas em média no estádio. E viu-se obrigado a baixar os preços dos bilhetes em 40%. E, na semana passada, foi publicado um estudo da Unversidade de Vigo que diz que só Barça e Madrid são financeiramente viáveis. Os restantes clubes vivem, como cá, acima das suas possibilidades. E alguns, como o Celta, à beira da falência.
    Isto para dizer que o problema, nesta época, não é exclusivamente nacional.

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  3. Bela análise da qual discordo apenas num ponto: o nº de campeões não deve ser considerado relevante. Apesar dos nºs apresentados a verdade é que: Em Espanha são 2 (Real e Barça, às vezes o Valencia); em Inglaterra 3 (Man Utd, Chelsea, Arsenal, às vezes Liverpool); na França 1 (Lyon e talvez o Marselha), Itália 3 (Inteer, Milan e Juve, ás vezes Roma). Nenhum tem mais do que os 3 tugas com uma ou outrs excepção tipo Boavista.
    O maior problema é histórico: até há pouco tempo (advento dos jogos na TV) o futebol em Portugal era Benfica, Sporting e Porto. Fora esses ninguem falava nos outros. Só com o passar dos anos é que isto se corrigirá... espero

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  4. O facto de existirem três clubes que absorvem a esmagadora maioria dos adeptos espalhados por todo o país resulta numa distribuição muito assimétrica das receitas tendo como consequência uma diminuição da capacidade competitiva dos outros clubes

    -Porque razão nem esses 3 clubes conseguem encher os estádios?
    -As claques e o factor segurança terão algo a ver?
    -A descredibilização sucessiva da arbitragem?
    -A exportação massiva dos melhores jogadores portugueses?
    -O FCP foi campeão europeu em 2004, passaram apenas 4 anos, quantos jogadores dessa equipa estão por lá? O que nos remete para o papel dos empresários e das SAD's.
    -O Leixões SC lidera com todo o mérito o campeonato, quando seria desejável que a equipa conseguisse o reforço de 2 ou 3 jogadores em Dezembro, aposto que verá partir 4 ou 5 jogadores, para os 3 grandes, ou para Braga, Guimarães ou Marítimo, eventualmente algum para Espanha com destino a clubes do fim da tabela.

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  5. "Será que a imagem do português comodista e borlista explica tudo?"

    Na minha forma de ver, esta frase vai de encontro ao cerne da questão...

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  6. Já não é de estranhar o enorme sucesso que os nossos atletas Paralímpicos tiveramr em Beijing.
    As medalhas reflectiram o grande esforço dos nossos atletas nas várias modalidades.

    Por vezes discriminados pelas suas “incapacidades” eles são a prova de vida e esperança de que o País precisa.

    Apesar de o seu esforço e do seu talento serem pelo menos tão grandes como os dos atletas mais famosos, restou-nos , abraçá-los e depararmos que os mesmos nunca serão vedetas de cartazes de publicidade às nossas grandes empresas.
    Vamos esperar para ver.

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  7. Não nos podemos comparar com o futebol inglês...
    Muitos dos Estádios são relativamente pequenos mas os seus clubes pertencem a grandes cidades, algumas de vários milhões de habitantes como Manchester, Londres, Liverpool, Birmingham, Newcastle...

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