Se um jornalista sair à rua para ouvir a vox populi e pedir às pessoas para definirem o que é a democracia, estou convencida de que a maioria, depois de um momento mais ou menos prolongado de embaraço, falará da liberdade de dizer o que quiser e de poder votar. Se o jornalista insistir, numa segunda etapa, começarão os lamentos em relação aos políticos, que são todos iguais e que estão lá para se governarem em vez de governarem, e a confissão de que nem sequer vale a pena participar nos actos eleitorais, porque quem manda são os que vão para o “tacho”.
Regra geral, julgo que se mantêm válidas as constatações de André Freire no estudo “Desempenho da democracia e reformas políticas - o caso português em perspectiva comparada”, que constata, entre outros aspectos, «uma forte adesão dos cidadãos aos princípios básicos da democracia, mas também um forte criticismo face à classe política, uma insatisfação crescente com o desempenho da democracia e um elevado afastamento face ao poder».
Ora, a participação mais activa dos cidadãos na vida pública pode ser o elemento decisivo para que governantes e governados não andem de costas voltadas. Só que uma democracia participativa exige, a priori, uma condição essencial: a vontade de participar.
Aquilo a que estamos a assistir é um contexto que não favorece a cultura de participação. Se pensarmos no percurso típico de uma pessoa dos nossos dias, vemos que ele começa, na maioria dos casos, com uma infância atolada em actividades e preocupações sobre se a consola dada pelos pais ausentes é melhor ou não do que a do vizinho. Segue-se a escola, em que as associações de estudantes são redutos de alguns, tantas vezes aprendizes de caciques, feitas de eleições em que não se aposta na elaboração de programas, que também ninguém parece interessado em ler. Chegada a vida adulta, há que lutar por um emprego, para pagar o empréstimo da casa, dos carros, das férias e outras prioridades. Fica, definitivamente, muito pouco tempo e energia para pensar no bem comum.
Para além disso, para participar é necessário – ou assim deveria ser – estar informado. E vemos que somos um país que lê muito pouco e que recebe a informação pela televisão e pelos jornais gratuitos, o que, convenhamos, é insuficiente para quem quer ficar realmente esclarecido sobre o que se passa à sua volta.
A participação surge, muitas vezes, apenas como reacção a problemas pessoais. Só que fazemos isso da pior maneira: optamos por figuras tristes em frente às câmaras de televisão. Os meios de comunicação social, que têm o poder de definir a agenda, o agenda setting (não dizem às pessoas o que pensar, mas conseguem determinar sobre o que é que elas vão pensar), ainda continuam dependentes das fontes oficiais, fruto de um jornalismo de fundilhos na cadeira, mais lucrativo economicamente, de pseudo-eventos, nas palavras de Daniel Boorstin, e de pequenos/grandes escândalos, em muitos casos, de faca e alguidar.
Há anos que a União Europeia tenta incentivar a formação de lóbis, como forma de combater o afastamento das populações dos políticos e de alargar os contributos da sociedade para a governação dos países. Mas por cá parece que recebemos a informação por snail-mail e só recentemente a questão chegou ao Parlamento português. Os grupos de interesse ainda são vistos simplesmente como grupos de interesseiros.
Se o desafio é grande para os cidadãos, não é certamente menor para os políticos e para as estruturas políticas. A classe política vai ter de se habituar a fazer uma verdadeira audição do que as pessoas têm para lhe dizer, em vez de fingir ouvir só porque isso favorece a sua cada vez pior imagem. O que se assiste em várias circunstâncias, seja a nível nacional ou local, é à simulação da auscultação da população para que todos fiquem contentes, mas sem que esse processo tenha consequências práticas.
Mesmo os partidos políticos parecem viver num universo à parte. A meritocracia deu lugar ao carreirismo. Ouvem apenas os “seus”, premeiam os mais bem comportados em inenarráveis processos de escolhas de candidatos e fazem programas que não tencionam cumprir. Tudo muito democrático, portanto.
Neste cenário há, agora, mais factor a ter em conta: as novas tecnologias. Concordo com João Pissarra Esteves, quando ele diz que «não será certamente a Internet que pode resolver todos os problemas da democracia [...] A hipótese formulada limita-se a reconhecer que este novo medium reúne condições que possibilitam um certo aperfeiçoamento da democracia».
É inegável que a Internet facilita a participação. Muito do que antigamente parecia inalcançável está apenas à distância de um clique. Mas muito está, certamente, demasiado longe. Não nos podemos esquecer que ainda nem todos têm ligação à Internet, nem sequer computador, apesar das campanhas que se vêem por aí e que dão a ideia de que vivemos no paraíso das novas tecnologias. E que mesmo entre os que têm computadores topo de gama e Internet de banda larga, incluindo pessoas com formação superior, a literacia deixa a desejar.
Estaremos nós preparados para dar um salto qualitativo e passarmos de meros votantes ocasionais a cidadãos de pleno direito? Condições para isso começa a haver, se é que não houve já nos últimos 30 anos. Vontade já se nota em alguns sectores da sociedade, quer seja por parte de cidadãos, quer seja das instituições. Agora compete a cada um engrossar esse movimento e fazer a diferença.
(*) Coordenadora Geral do Diário do Minho e doutoranda em Ciências da Comunicação
Excelente texto. Juntamente com o do António Amaro das Neves são os melhores.
ResponderEliminarPedro,
Estava iniciativa está a ser excepecional. Parabéns. Para quando a Avenida central em livro???
Por acaso também acho o texto muito bom. Nada que eu estranhe na porf. Luisa.
ResponderEliminarMas faz-me confusão esta atitude de olhar para os textos como "melhores" ou "piores". São todos contibutos válidos numa discussão que se quer tão alargada quantio possivel. É isso a democracia, não é?
Caro Samuel,
ResponderEliminarConcordo contigo. Todos os textos foram excelentes contributos para um debate muito importante.
Estou muito agradecido a todos os que acederam emprestar o seu contributo à Avenida Central.
Abraço,
PM
boa!
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