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[Avenida do Mal] Por Quem os Sinos Cobram

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Do poema cantado por Vilaret, roubo-lhe os sinos e o protocolo, e dou-vos a imaginação... A procissão de resto, ao compasso do carrilhão simples da capela, vem apinhada de gente, e mais ainda lhe olha os santos seguros por andores pesados de arranjos florais. Do "ai que lindo que vai este, de Santa Rita…" das coisas impossíveis, ou que se fazem como tais, como um emprego ou dinheiro. A crise económica envolve a manifestação religiosa de uma comoção compulsiva. Tudo se faz maravilhoso aos nossos olhos e aos de Deus, e tudo vale para Lhe agradar pelas benesses. Não as que se tem, mas as que se querem...

Desde o "discurso da tanga" que vejo a procissão de velas na minha terra encher-se de cada vez mais gente. E a tal do Triunfo, com a cavalaria da GNR e os figurados, mais concorrida que nunca. Fazem fila para meter as gadanhas nos andores, crescem os pedidos de promessas de ano para ano, andam para se matar pelas vestes deste ou daquele santo ou anjo de virtude. É a porrada por um milagre... Esta emoção em crescendo tem excedido o odor de farturas, do frango assado e recozido, e a berraria dos feirantes. Na náusea deste ano, vendiam-se pénis de madeira numa barraca, ao dependuro, enquanto aquilo passava. Ironias como a dos russos convertidos à ortodoxia por um prato de sopa.

E não fica o desfile por aqui. No país do topo de gama, os sinais exteriores de riqueza são sinais da presença de Deus, o resultado da ladaínha repetida. As maleitas vão deixando a lista de pedidos. É antes o Euromilhões. Pois tudo se compra pelos vistos, até uma vida nova, uma mulher nova - que não esta arranjada em sagrado matrimónio... E portanto não admira que na irracionalidade do cozido à portuguesa e do vinho tinto, alguém me dizia há dias que comprava um apartamento em Fátima se tivesse tal graça. Novidade, mas tem algo de prático: benze-se o pousio como residência oficial e fica muito mais cómodo ir-lhe ao Santuário a pé, sempre que se precisar de outro milagre.

Mas o que tem de típico e gracejo tem de irracionalmente aterrador. Custa ver notas de 50 empenhadas numa mariquice colectiva a troco de uma sorte concedida pela rege divina. Como quando se empenhou a dita do ouro brasileiro em Igrejas e Conventos ao membro procriador de D. João V ou ao útero parideiro de Maria Ana d'Aústria. Aos portugueses custa-lhes antes investir neles, na raia miúda. Para estes: migalhas. O engodo é que tudo o que se foi encontrando pela sua História apareceu por obra e graça de pombas da inseminação, messias e anti-cristos. Nada que se tenha feito por isso pois então, que não ir à missa... É desta nação de joelhos que se fazem Primeiros-Ministros Madres Teresa e restantes ministérios e autarquias, uma nomenclatura de irmãs de caridade. É neste nevoeiro que se faz de Cavaco Sebastião. Que se faz de Scolari milagreiro.

4 comentários:

  1. Fantástico. É sem duvida um dos melhores textos que ilustra a nossa religiosa sociedade. A fé eu compreendo e também tenho a minha, mas tudo que se ramifica a partir da mesma ganha, em Portugal, contornos de irracionalidade. É o portugalzinho em que vivemos...

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  2. Este é um país de gente católica e púdica, tão pura... Filhos de uma púdica!!

    Cumprimentos. Bom texto.

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  3. Mais um bom texto. incisivo. mais um bom tema

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"Mi vida en tus manos", um filme de Nuno Beato

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