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Acordamos quase na mesma

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Desenganem-se os que pensavam que hoje acordaríamos num país diferente.
Embora pudessemos não ter uma noção tão exacta daquilo que somos, somos exactamente os mesmos que éramos no dia 10 de Fevereiro.

Escrevi aqui, no dia 28 de Janeiro, que o meu voto era "um voto sem certezas absolutas". Mantenho. Tenho a convicção de que, a partir de agora, será mais fácil responsabilizar as mulheres, reduzir a clandestinidade e criar mais justiça social. Veremos.
Para já, este referendo teve a virtude de juntar apoiantes do Sim e do Não na defesa do fim da punição e na promoção de políticas efectivas de educação sexual e planeamento familiar. Não quero crer que tenham sido declarações de intenção com propósitos eleitoralistas. Aguardo, portanto, a sua implementação sem mais demoras.

O acto eleitoral de ontem mostrou-nos, também, aquilo que já sabíamos: Portugal é um país de clivagens. Confirmaram-se as disparidades ideológicas Norte/Sul e Continente/Ilhas. Acentuaram-se as diferenças entre o voto rural e o voto urbano - diferenças que assumem uma espantosa expressão no Norte. O Sim venceu em praticamente todos os grandes centros urbanos do país, obtendo resultados muito surpreendentes em alguns dos principais bastiões do catolicismo. Braga é disso exemplo: numa cidade em que o catolicismo militante deu lugar à constituição do maior movimento regional em favor do Não, o Sim venceu com 53,1% dos votos.

Os portugueses demonstraram ontem que, pelo menos nesta matéria, separam bem as leis do Estado dos cânones da religião maioritária. Esta separação não seria tão evidente se o Não tivesse ganho, o que não significa que não existisse de facto. A vitória expressiva do Sim reforça a expresão dessa tendência. Foi mais um passo no caminho da laicidade.

Os portugueses também demonstraram que não gostam de referendos. Há sempre um desculpa para não ir votar, há sempre quem desculpe quem não vai votar e há sempre que use os que não vão votar para defender a sua causa. Em democracia, quem não vai votar prescindiu do direito de expressar a sua posição e, como tal, são os votos expressos os que contam. Mas não é pela abstenção que sou contra a ideia de referendo nacional.

A grande derrotada deste Referendo é a Igreja Católica. A hierarquia da Igreja assumiu uma posição clara e, para a defender, muitos dos seus ministros e agentes utilizaram argumentos muito questionáveis do ponto de vista moral e ético. Campanhas essas que nunca merceram qualquer reparo ou distanciamento da parte da hierarquia da Igreja. A Igreja apostou tudo: pôs a Rádio Renascença e as inúmeras publicações escritas que detém ao serviço da sua causa; multiplicou-se em movimentos cívicos; utilizou as homílias para difundir a sua posição política; organizou novenas e procissões. Mesmo assim, perdeu.
Mas desengane-se quem achar que, com este resultado, a Igreja deixa de ter uma influência preponderante na construção do pensamento de grande parte dos portugueses.
Uma nota de apreço para a postura do Cardeal Patriarca de Lisboa no momento do voto. Escusou-se fazer qualquer declaração, num sinal claro de que compreende o valor da democracia.

Marcelo Rebelo de Sousa, pela inconsistência do seu discurso, é outro dos grandes derrotados. A que pode juntar-se Marques Mendes: prometeu um PSD neutro, mas instrumentalizou o partido a defesa do Não. Espero que pague politicamente esta falta de seriedade.

No campo oposto, José Sócrates e Francisco Louçã venceram este Referendo. Mas ganharam também uma série de novos problemas. Depois de todo este aparato que foi iludindo os portugueses, José Sócrates terá que governar e, sobretudo, que mostrar resultados ao país. Terá também muitos problemas para compatibilizar o aborto no SNS com as sucessivas restrições orçamentais na saúde. Por outro lado, Franscisco Louçã terá que reinventar o Bloco de Esquerda, agora que uma das suas principais bandeiras está consumada.

Foi só um referendo sobre a despenalização do aborto.
Aos que pensavam que hoje seríamos um país muito melhor, tenho o (des)prazer de informar que estamos quase na mesma.

15 comentários:

  1. Atrever-me-ia a dizer que tirando o facto de hoje, não haver aulas em alguns locais, alguns trabalhadores não terem ido trabalhar hoje é um dia como qualquer outro. Nada mudou, porque nada muda por si só, mas sim com o tempo...

    Aqui à dias encontrei um local (possivelmente esta ou outra avenida) que falava que faltavam regulamentar muitas das leis aprovadas na Assembleia da Republica.

    Aqueles que achavam que a batalha pelo descriminalização do aborto terminou hoje, que se desenganem, pois nada irá mudar caso não re-invente estratégias, se pense como se deve agir.

    Sou contra o aborto, não posso contudo aceitar e tapar os olhos e dizer que este não existe. Como tal, o meu voto não recaiu no não.

    Porém, acho que todos devemos pensar e reflectir se queremos que o aborto seja o método contraceptivo número um ou se queremos como sendo uma alternativa muito remota e que não tem outra via possível.

    Ouviu-se hoje o anúncio de uma clínica espanhola que se irá instalar em Lisboa. Será que será dado algum período de reflexão neste local?

    Espero que a nova lei, traga realmente contributos para que o aborto além de deixar de ser clandestino, deixe de ser também recorrente.

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  2. "reinventar" o Bloco, caro Pedro, o Be tem imensas "bandeiras".

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  3. Falar em grandes vencedores e grandes vencidos não me parece correcto no contexto deste referendo. A grande derrotada nesta consulta foi mesmo a democracia portuguesa, pela elevadíssima percentagem de abstenção. Consequentemente, quem perdeu foi o povo português.

    Quanto a posições tomadas por este ou por aquele, pelo sim ou pelo não, não vejo que daí venha qualquer vitória ou derrota política.

    A Igreja não saiu derrotada; muito menos o BE vitorioso. O BE viu uma sua bandeira de há muito concretizar-se, e a Igreja destruída uma causa que defende.

    Mas ainda vamos ver o resultado disto... Temo que ainda havemos de esperar bastante...

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  4. Pedro,

    todos os jornais que li hoje diziam que em Braga ganhou o Não !?!?!

    os portugueses não gostam de referendos nem de eleições (ainda hoje escreverei um post a referir algumas impressões de António Barreto sobre um estudo).

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  5. osso, o Não ganhou no distrito de Braga, mas no concelho de Braga ganhou o Sim... Só que falando do distrito fala-se comummente na comunicação social em Braga...

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  6. Caro osso,
    Está bem explícito que me refiro à área urbana (vulgo, cidade) de Braga. Os dados estão num post anterior.

    Caro José Manuel Faria,
    Ainda bem que o BE tem mais causas. Seguirei a actividade do Bloco com atenção.

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  7. Nem depois da campanha se deixa de falar da Igreja? O ataque à Igreja e aos católicos neste referendo foi mesmo uma vergonha... Numa censura psicológica aos apoiantes do Não... Pelo menos os católicos não tiveram a ideia infeliz de atacar os eleitores com diferentes crenças como o fez a massa apoiante do Sim porque senão estaríamos no meio de uma autêntica guerra civil... O Sim ganhou e ganhou bem. Mas há que parar com essa generalização incómoda que chega a soar a humilhação...

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  8. Pois é Pedro. Realmente eu não estava a entender bem o post anterior mas com o teu esclarecimento desvendei toda a minha ignorância e o despropósito do meu comentário. (coisas do Harrison, que também já deve ser teu amigo)

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  9. Pois é Pedro: lamento concordar consigo. Mesmo assim, não me arrependo nem um pouco de ter ido lá e de ter votado Sim!

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  10. «Pelo menos os católicos não tiveram a ideia infeliz de atacar os eleitores com diferentes crenças como o fez a massa apoiante do Sim». Caro Bruno: lamento se depois dos resultados ainda vem "lavar roupa suja". Apenas posso falar pelo que vi em Leiria: os apoiantes do Não usaram o medo das pessoas, escrevendo textos intragáveis. Os do Sim foram mais discretos e quase não deram nas vistas... Se falar de "censura psicologica" entao, como contraponto falo-lhe de "defesa psicologica". Pode ser? Pelo menos no caso de Leiria. Nos outros, como lhe digo não sei falar.

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  11. Cara Sabine,
    gostava de saber quando é que me viu a lavar roupa suja aqui ou em qualquer outra blog. Não faz parte da minha personalidade. O que aconteceu nesta campanha foi um multiplicar de perseguições aos católicos pelos seus chefes religiosos terem uma posição diferente, em muito, dos crentes. Se fossemos guiados pelos chefes religiosos, ainda hoje os católicos não usavam o preservativo. Mas usam... Sou Católico Romano e não me rejo nem me revejo nos meus chefes religiosos. Revejo-me no fundador da Igreja, o que é bem diferente... E o problema da sua falta de compreensão está aqui: a Igreja além de ser uma criação dos Homens e não de Deus, não são os padres, nem as freiras nem os chefes religiosos, são os fiéis. E esses ontem não votaram só no Não. Votaram principalmente no Sim (não estou a ter em conta as palavras cínicas de Louçã...). Mas agora que terminou a histeria eleitoral, gostava que serenassem um pouco os ânimos.

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  12. Caro Bruno,

    Estou em completo desacordo contigo. A Igreja Católica assumiu-se como um actor político neste referendo. Como cidadão tenho o direito de a criticar e considero que as críticas que lhe faço são justas.

    SObre esta frase tua: "Sou Católico Romano e não me rejo nem me revejo nos meus chefes religiosos. Revejo-me no fundador da Igreja, o que é bem diferente..."
    devo dizer-te que acho que estás a confundir o que é ser Católico Romano com o que é ser Cristão. Os Católicos Romanos são, por definição, aqueles que se revêm na estrutura da Igreja Católica e no Papa de Roma. É isso que os distingue dos outros Cristãos.

    Abraço.

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  13. Caro Pedro,

    tens razão. Mas como sou praticante e participo nos rituais e nas manifestações da fé, então considero-me Católico Romano.

    Grd abraço...

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  14. Vou tecer dois comentários a este artigo de opinião...
    1-O primeiro para dizer que como militante do PSD entendi a mensagem do líder do meu partido. Este manisfestou-se neutro como dirigente do partido, e proferiu, na minha interpreteção assim como na de outros companheiros de partido, a favor do NÃO de uma forma mais pessoal. Como tal, não penso que terá influenciado a opinião de grande parte dos militantes, nem da sociedade em geral.
    2- Dizer que tanto Sócrates como Francisco Louçã deveriam por a cabecinha na terra. Pois a esmagadora vitória da abstenção é uma vergonha nacional e uma forma de demonstrar descrédito dos portugueses nos nossos polítcos e a falta de cultura política e cívica que este país está mergulhado. Como tal, tanto eles como todos aqueles que se sentam na Assembleia da República falharam. Só vi a comunicação social e o Presidente da República a apelar ao voto, enquanto outros se perderam em debates de opinião que só confundiram, não esclareceram e que acima de tudo encheram a paciência dos portugueses. O resultado?!? 56.4% ficaram em casa!

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