1. Assinala-se hoje o Dia Mundial da Saúde Mental e, trabalhando nesta área, não posso deixar de partilhar alguns pontos de reflexão. Antes de mais, cumpre informar que, se outros motivos não encontrar para ler este artigo, deve saber que um em cada quatro portugueses sofrerá, em dado momento da sua vida, de uma doença mental.
2. Há precisamente um ano, a Federação Mundial para a Saúde Mental divulgou uma série de artigos de reflexão sobre o estado das políticas de promoção da saúde mental em todo o mundo. Num desses artigos, destacavam-se alguns dados verdadeiramente preocupantes: dos cento e noventa e dois membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) que foram analisados, apenas dois terços dos países apresentam políticas públicas de saúde mental e, mesmo nesses, 60% das leis em vigor são anteriores a 1960; em 30% dos países não existe qualquer orçamento específico para a saúde mental; e em 25% daqueles em que existe orçamento, a verba destinada à saúde mental é menos de 1% do total despendido em saúde. Em síntese, a desproporção entre as necessidades e a oferta de acompanhamento, diagnóstico e tratamento psiquiátrico é verdadeiramente preocupante em termos globais.
3. Em Portugal, o investimento no tratamento das doenças mentais deve ser realçado: a) os hospitais têm reforçado a sua capacidade de intervenção em saúde mental, através da oferta de serviços médicos, mas também de Psicologia Clínica e Assistência Social; b) os serviços comunitários têm sido, embora muito lentamente, reforçados com meios humanos e materiais; c) os tratamentos mais inovadores têm sido disponibilizados aos doentes portugueses praticamente ao mesmo tempo do que sucede no resto da Europa e EUA; d) a nossa investigação em neurociências tem sido reconhecida internacionalmente, ombreando com os trabalhos produzidos em alguns dos centros mais avançados do mundo.
4. Contudo, mantêm-se alguns focos de preocupação sobretudo no que respeita ao processo de desinstitucionalização dos doentes mentais sem o adequado reforço das redes de apoio ambulatório, isto é, fora do internamento em hospitais. Saliente-se que esta não é uma tarefa exclusiva dos hospitais e centros de saúde, mas uma empreitada que deve envolver toda a sociedade e, em particular, as instituições de solidariedade social, as associações de doentes, as Câmaras Municipais ou as Juntas de Freguesia. Convém lembrar que a promessa de reforço da rede de cuidados continuados psiquiátricos constava do Programa Eleitoral do Partido Socialista e a sua concretização deverá ser cuidadosamente monitorizada pelas populações.
5. Outro motivo de alarme prende-se com o facto de muitos doentes mentais continuarem a ser vítimas do estigma e a sofrer as consequências de uma exclusão baseada na ignorância e no preconceito. Trata-se de um contexto que não favorece o tratamento e que agrava severamente o sofrimento dos doentes mentais e das suas famílias. O combate à discriminação das doenças mentais e a promoção de políticas de verdadeira integração social e laboral deve ser uma prioridade do nosso tempo, com vista à garantia de maior qualidade de vida para os doentes mentais.
6. Na perspectiva de combater o estigma das doenças mentais, a Associação Encontrar+se que celebra hoje o seu terceiro aniversário tem feito um trabalho verdadeiramente notável. Para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental, preparou uma série de incitativas, entre as quais uma sessão comemorativa às 10 horas de hoje, na Biblioteca Almeida Garrett no Porto, contando com as conferências de Patt Franciosi, Vice Presidente da World Federation for Mental Health (WFMH) e Sigrid Steffan, Presidente da European Federation of Associations of Families of People with Mental Illness (EUFAMI) e com a apresentação do livro “Entre a razão e a Ilusão. Desmistificando a Esquizofrenia” pelo Professor Viegas Abreu, Presidente da Direcção da ReCriar Caminhos - Associação de Apoio ao Desenvolvimento Vocacional.
7. A acção da Encontrar+se chega a Braga no próximo dia 17 de Outubro, integrada no VII Simposium sobre Perturbações Afectivas e do Humor que o Departamento de Psiquiatria do Hospital de Braga está a organizar. Pelas 12 horas, na Universidade do Minho, haverá uma sessão aberta ao público que contará com uma conversa entre Boss AC, conhecido músico, e o Professor António Pacheco Palha, Professor Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Director Clínico da Casa de Saúde do Bom Jesus. O mote será o Dia Europeu da Depressão e conversa versará sobre «O que podemos aprender com a música “Mantém-te firme” ?». No final da sessão serão distribuídos CD’s do Projecto UPA (Unidos para Ajudar) e também do último álbum de Boss AC, “Preto no Branco”.
8. Neste Dia Mundial da Saúde Mental não deixe de reflectir sobre as formas como pode contribuir para atenuar o sofrimento daqueles que padecem de doenças psiquiátricas. Às vezes, uma palavra basta. Mas convém não esquecer que uma palavra não é tudo.
[publicado no Suplemento de Saúde do Diário do Minho de hoje]
E uma palavrinha de reconhecimento ao trabalho da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, sr. Morgado? Ou das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus?...
ResponderEliminarO texto toca em pontos importantes, apesar de quando se fala ou escreve de um fenómeno tão complexo ser sempre impossível veicular todas as informações que os profissionais da área gostariam que fossem claras para a sociedade.
ResponderEliminarDeixo apenas uma pequena reflexão.
"A loucura é fazer a mesma coisa da mesma maneira uma e outra vez e esperar um resultado diferente". Partindo desta citação reflexiva, e de forma paralela, tanto a sociedade em geral como os profissionais da área da saúde mental devem atender que continuar com atitudes discriminatórias e abordagens "patologizadoras" pode apenas levar ao mesmo resultado a que se assiste actualmente neste fenómeno complexo apelidado de "doença mental": discriminação e escassez de reabilitação psicossocial. Desta forma, passos sólidos na mudança de mentalidades e na investigação são necessários; passos que Portugal começa a dar(?).