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TGV: Histórias de Verdades Convenientes

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Confesso não entender a posição da Manuela Ferreira Leite em relação ao TGV. O problema não é a justificação dada: «O país tem um nível de endividamento tal que não pode neste momento construir» [IOL]. É uma justificação perfeitamente legítima e, realmente, um receio dos eleitores. O problema é que, não obstante o circunstancialismo da crise económica, a preocupação com o excessivo endividamento do país já é uma realidade há décadas. É-o hoje, como o era há 6 anos atrás. No que toca ao problema do endividamento, nada mudou. Ao circunstancialismo da crise, acresce o de o PSD ter passado para a oposição e as eleições se aproximarem.

É claro que não há problema algum em fazer evoluir as suas opiniões, mas, como é igualmente claro, desde que as razões para essa súbita mudança sejam devidamente explicadas. E o problema é que essa mudança não foi explicada e só por alguma espécie de delírio é que se poderá pensar que Portugal não estava endividado no início da década. Facto que torna ainda mais necessárias estas explicações, pois já na altura era uma posição perfeitamente defensável. Até porque hoje se dá um outro circunstancialismo: o de o PSD não ser governo como o era nessa época.

Acontece que face às posições adoptadas pela Ferreira Leite no passado recente como responsável pela pasta das Finanças, de cuja anuência semelhante decisão política estará sempre dependente, face às decisões publicadas em Diário da República e ao acordado a nível internacional, é absolutamente necessário explicar esta volta de 180º. A força das declarações de passadas tornam manifestamente insuficientes as parcas explicações hoje dadas.

Pois não só ela e o governo acreditavam na viabilidade da construção de 4 linhas de TGV, como consideravam que: «A rede ferroviária de alta velocidade assume-se como um projecto de investimento estruturante que permite o desenvolvimento de competências empresariais próprias, assegurando a participação de empresas e indústrias locais nas diversas fases do projecto incluindo execução e operação, contribuindo para o crescimento do produto interno bruto e induzindo a criação de emprego sustentado, factor decisivo da coesão social do País.» [Resolução do Conselho de Ministros n.o 83/2004]; entre outras considerações como: «[o TGV] irá representar um aumento em 2,8 por cento do PIB, criar cerca 91.500 postos de trabalho, beneficiar 81 por cento da população» [Público]

Por tudo isto e ainda que o argumento "endividamento" seja em si mesmo válido, a posição da Manuela Ferreira Leite é, salvo melhores explicações da própria, insustentável.

Inquirida sobre o assunto, decidiu fugir para a frente e atacar Espanha - e não só - ao mesmo tempo que dava um tiro no pé, pois o problema do endividamento não é novidade, ao confessar ter participado numa decisão que, na sua tese, visa o melhor interesse de Espanha, que conhecerá bem, e um interesse que terá prosseguido no passado. Abrindo assim um incidente internacional ainda como candidata e deixando dúvida: se se propõe a rasgar acordos internacionais em que ela participou e com os quais concordou, como governante, o que poderá acontecer a outros acordos internacionais? Quando seria de esperar que ela desalinhasse do PNR e recuasse um pouco na questão de Espanha, apenas reforçou essa ideia nos dias seguintes. Existe uma diferença enorme entre fazê-lo assim, unilateralmente, ou sentado à mesa com a outra parte. A demonstração deste radicalismo e inépcia diplomática é um mau agoiro. A Ferreira Leite conseguiu pegar no TGV e criar um problema para ela própria.

12 comentários:

  1. Alguns números que tenho visto indicam um endividamento de 64% do PIB em 2004 e 97.2% em 2008. Caso estes números estejam correctos, dizer que "No que toca ao problema do endividamento, nada mudou", parece-me um bocadinho forçado...

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  2. Sra. D.ª MFL, como grande patriota que não tenho dúvidas que seja, faça-nos um grande favor, e fique em casa a tomar chá, enquanto vê velhos albúns de fotografias e toma conta dos netinhos.

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  3. Que tal um post sobre os motivos de demissão da Campos e Cunha? A legislatura anterior foi "julgada" há quatro anos e meio. Parece-me que é tempo de fazer o balanço desta legislatura socialista, na qual se inclui o episódio da diligente substituição de Campos e Cunha!

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  4. Para nos lembrarmos melhor do que Nuno refere:

    http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=617096

    http://tsf.sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1362825

    E ainda:
    "“O Pendular já é Alta Velocidade, de acordo com as regras comunitárias. Não é preciso ir para o TGV, por cada aumento de quilómetro por hora de velocidade é caríssimo. E nem o argumento da ligação à rede europeia de alta velocidade serve, porque ninguém vai aqui a Paris de TGV. E para Lisboa-Madrid deve haver 10 aviões por dia, o que não enche o TGV. Portanto, por muito tráfego que se crie, não se percebe como é que se vai conseguir oito milhões de passageiros nos primeiros 3 ou 4 anos.”

    http://movv.org/2008/01/14/entrevista-de-campos-e-cunha-ao-expresso-tgv-referendo-e-erros-no-oge-2008/

    Cumprimentos.
    Pedro L. R.

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  5. Confesso que a escrita habilidosa deste colunista é interessante de ler. Mesmo que os seus argumentos me interessem mais pelo que escondem e não tanto pelo que mostram.
    Este post não avalia os mérios do TGV, mas apenas se preocupa em demonstrar as contradições de uma candidata, julgo que seria importante não perder essa questão de vista.
    Os "circunstancialismos da crise económica" são o melhor eufemismo que li nos últimos tempos. Os jornais demonstram hoje a dimensão da crise na economia real. O número de empresas a encerrar é alarmante. Nas áreas mais industrializadas o desemprego aproxima-se, ou já é, dos dois dígitos. Há famílias de classe média de um momento para o outro a viver de rendimentos sociais e cheias de encargos com empréstimos da casa, do carro e muitos disparates.
    Estes "circunstancialismos" não são desprezáveis e não podem deixar de influenciar as opções políticas imediatas.
    Este post procura avaliar tão só a confiabilidade de uma candidata que opta por não prometer o que sabe não puder fazer, expondo-se à aparente contradição. A minha pergunta é: seria melhor um "porreiro pá!"? Será que os méritos dos projectos não precisam de ser avaliados quando as circunstâncias se alteram? E será que perante alterações excepcionais não se devem repensar as opções?
    O ex-ministro Campos Cunha já foi citado. Ainda que não pelo autor do post, mas por um leitor que lhe recordou o que os seus argumentos escondem. As dúvidas sobre este projecto não são portanto das eleições que se aproximam. São até de um ex-ministro que bateu com a porta porque percebeu o que teria que aturar.
    Fiquei é sem saber a opinião do autor do post sobre TGV. Concorda com ele? Acha-o financeiramente viável?. Quantas, e quais, linhas devem ser construídas? ...
    Eu fico enternecido por esta paixão pelo comboio, ainda que, sendo assim, não percebo porque é que se enceram linhas por todo o lado.
    Ps: experimentem simular uma deslocação a Bragança ou a Vila Real sem ser por automóvel e terão uma realidade exacta das necessidades de Portugal. Nunca percebi ligação a Madrid como prioritária. Se até para ir a Barcelona optarei por avião, o que dizer para ir mais longe.

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  6. «"No que toca ao problema do endividamento, nada mudou", parece-me um bocadinho forçado...»

    Portugal já há séculos que "não tem dinheiro". E de facto, falar em endividamento hoje como se não existisse nas últimas épocas... é um delírio. Propor a construção de 4 linhas e vir agora afirmar isto, quando estão em causa apenas duas linhas... é um delírio. :)

    De facto, nada mudou. Portugal estava mais ou menos endividado, mas já estava.

    De qualquer forma, como está bem claro nas declarações governamentais da época, este nem sequer era tido como um problema. Releia o 4º parágrafo, onde faço duas citações, e perceberá a insuficiência na explicação da MFL. Pois o problema não será o endividamento em si, mas sim a convicção de que o TGV não será economicamente viável, pelo que será mau endividamento.

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  7. «Que tal um post sobre os motivos de demissão da Campos e Cunha»

    Talvez. Agora não tenho tempo, mas não concordo com o projecto actual do TGV.

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  8. O problema da discussão sobre construção do TGV é un fait divert da campanha eleitoral. Tecnicamente a sua construção está atrasada mais de dez anos! Quando a retoma económica começar a aquecer e o preço do petróleo disparar para os 150 ou 200 dólares o barril ( alguns especialistas ligados ao sector apontam mesmo os 500), vamos precisar de muitos TGV na europa e no mundo, pois a esse preço os aviões vão ficar em terra.

    Almerindo Margoto

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  9. «Este post não avalia os mérios do TGV, mas apenas se preocupa em demonstrar as contradições de uma candidata, julgo que seria importante não perder essa questão de vista.»

    Sim, é verdade. Abordo apenas a questão do "carácter" da candidata que se procura apresentar como alternativa credível.

    «Os "circunstancialismos da crise económica" são o melhor eufemismo que li nos últimos tempos.»

    :) Esse eufemismo ganha graça quando contrastado com aqueles que se utilizavam naquela altura. Guterres preferiu a referência ao "pântano". Durão Barroso preferiu afirmar que "o país está de tanga". Enfim, sinais claro de que os tempos, podendo ser menos maus, eram maus.

    «Fiquei é sem saber a opinião do autor do post sobre TGV. Concorda com ele? Acha-o financeiramente viável?. Quantas, e quais, linhas devem ser construídas? ...»

    A minha opinião pessoal é de que na linha Lisboa - Porto não faz sentido criar um TGV enquanto aos Pendulares não for permitido atingir o seu potencial. Um potencial que, segundo dizem, se qualifica tecnicamente como "Alta Velocidade". E quem fala do Pendular de Lisboa ao Porto/Braga, fala do Pendular para Sul, até Faro.

    Já Lisboa - Madrid concordo.

    Mas, grosso modo, acho que existe um problema estrutural na ferrovia portuguesa, sobretudo a nível de transporte de mercadorias, algo que deveria receber a devida atenção.

    Já não me recordo, mas talvez já tenha escrito alguma coisa sobre isto no meu blogue, antes de começar a escrever aqui... Só vendo.

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  10. Expropiem...paguem o menos possivel aos proprietários afectados, distribuam taxos e panelas, para terem um comboio que Países mais desenvolvidos não querem.cONTINUAREMOS POBRES, MAS VAIDOSOS, têsos mas felizes.Os desempregados que esperem, os trabalhadores que desesperem...mas nós sempre iremos até Espanha de TGV.Dá para os trabalhadores irem apanhar fruta para Espanha!

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  11. Fontes Pereira de Melo estaria orgulhoso de si mesmo no dia de hoje… toda a gente fala de comboios!

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  12. "Quando a retoma económica começar a aquecer e o preço do petróleo disparar para os 150 ou 200 dólares o barril ( alguns especialistas ligados ao sector apontam mesmo os 500), vamos precisar de muitos TGV na europa e no mundo, pois a esse preço os aviões vão ficar em terra."
    O TGV anda a quê? A água? Quanto se vai pagar para ir a Madrid de TGV? Mesmo que o preço dos aviões(neste momento do porto arranja-se facimente viagens desde 5 a 20euros) suba para o triplo ainda fica muitas vezes mais barato que os preços apontados para o TGV.

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