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A Revolução Adiada

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Que é pois necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? Para entrarmos outra vez na comunhão da Europa culta? É necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o passado. Respeitemos a memória dos nossos avós: memoremos piedosamente os actos deles: mas não os imitemos. Não sejamos, à luz do século XIX, espectros a que dá uma vida emprestada o espírito do século XVI. A esse espírito moral oponhamos francamente o espírito moderno.

Oponhamos ao catolicismo, não a indiferença ou uma fria negação, mas a ardente afirmação da alma nova, a consciência livre, a contemplação directa do divino pelo humano (isto é, a fusão do divino e do humano), a filosofia, a ciência, e a crença no progresso, na renovação incessante da Humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado.

Oponhamos à monarquia centralizada, uniforme e impotente, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal, dando-lhe um carácter radicalmente democrático, porque só ela é a base e o instrumento natural de todas as reformas práticas, populares, niveladoras.

Finalmente, à inércia industrial oponhamos a iniciativa do trabalho livre, a indústria do povo, pelo povo, e para o povo, não dirigida e protegida pelo Estado, mas espontânea, não entregue à anarquia cega da concorrência, mas organizada duma maneira solidária e equitativa, operando assim gradualmente a transição para o novo mundo industrial do socialismo, a quem pertence o futuro.

Esta é a tendência do século: esta deve também ser a nossa. Somos uma raça decaída por ter rejeitado o espírito moderno: regenerar-nos-emos abraçando francamente esse espírito. O seu nome é Revolução: revolução não quer dizer guerra, mas sim paz: não quer dizer licença, mas sim ordem, ordem verdadeira pela verdadeira liberdade. Longe de apelar para a insurreição, pretende preveni-la, torná-la impossível: só os seus inimigos, desesperando-a, a podem obrigar a lançar mãos das armas. Em si, é um verbo de paz, porque é o verbo humano por excelência.

Meus senhores: há 1800 anos apresentava o mundo romano um singular espectáculo. Uma sociedade gasta, que se aluía, mas que, no seu aluir-se, se debatia, lutava, perseguia, para conservar os seus privilégios, os seus preconceitos, os seus vícios, a sua podridão: ao lado dela, no meio dela, uma sociedade nova, embrionária, só rica de ideias, aspirações e justos sentimentos, sofrendo, padecendo, mas crescendo por entre os padecimentos. A ideia desse mundo novo impõe-se gradualmente ao mundo velho, converte-o, transforma-o: chega um dia em que o elimina, e a Humanidade conta mais uma grande civilização.

Chamou-se a isto o Cristianismo.

Pois bem, meus senhores: o Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno.

[Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, Antero de Quental nas Conferências do Casino de 1871]

Isto é parte de um discurso do séc. XIX. Já no séc. XX o Almeida Negreiros insurgiu-se contra o(s) Dantas. Podemos sinceramente dizer que, hoje, no séc. XXI, não estamos ainda rodeados de Dantas? Abril ainda não trouxe esta Revolução.

3 comentários:

  1. Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, Antero de Quental nas Conferências do Casino de 1871 ou como citar, mais uma vez, Karl Marx por outras palavras...

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  2. "Mais uma vez"? Não sei a que se refere.

    Não compreendo muito bem a sua referência a Karl Marx. É evidente que o Antero sofreu a sua influência. Nada de extraordinário dado que é seu contemporâneo. Mas se alguém influenciou esse discurso, foi Alexandre Herculano. De qualquer modo, as "causa da decadência" ibérica são bastante particulares. Duvido que o Marx alguma vez se tenha dedicado ao assunto.

    Mas se confunde a minha intenção ao reproduzir este com alguma afirmação política, acho que falha em compreender o seu propósito e, sobretudo, o que dele (ainda hoje) se pode retirar. É óbvio que, para além do contexto da decadência, foi redigido e influenciado pelas circunstâncias (sociais, políticas e culturais) da época. Se não quiser lê-lo a essa luz histórica, adapte a sua leitura aos dias de hoje. Mas essa decadência, por velhas ou por novas razões, é, ainda hoje e na minha opinião, incontornável. Penso que ainda está demasiado entranhada entre nós. Não é uma questão política. É civilizacional.

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  3. Notas:

    1) Abrir as portas à Europa não implica dizer que sim a tudo o que de lá emana, que é a atitude acritica que hoje temos e que nos custou a nossa economia.

    2) O catolicismo hoje tem os seus nichos de poder mas reparem que quem o mantem politicamente vivo são os ditos politicos "seculares" pós 25 de Abril que cada vez que vão a votos vão ao beija mão ao bispo. Para quebrar de vez o lado não religioso do catolicismo seria conveniente não o imiscuir intencionalmente na vida política...

    3) O poder local é um fiasco de todo o tamanho. Não digo que não deva existir mas não nestes moldes e muito menos em qualquer modelo que lhe dê mais poder do que já tem. Neo-Feudalismo não obrigado.

    4) O trabalho livre/industria para evitar abusos patronais necessariamente percisa da mão do estado e mais que isso para cumprir objectivos políticos relevantes precisa de estar subordinado a objectivos mais latos.

    5) Reconhecer as influências românticas do panfleto em questão que por vezes acabam em ideias utópicas e confabulações pouco reais sobre a natureza humana (tendo em conta quando foi escrito isso não é de estranhar mas o leitor deve ser avisado de qualquer forma).

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