A destruição da paisagem minhota e a auto-mobilização geral foram assuntos que me pareceram apropriados para iniciar, em 2002, a minha colaboração na edição Minho do Público. Lendo o que recentemente Pedro Morgado aqui tem escrito, julgo que não é descabido recuperar esse texto inaugural:
“Durante muito tempo, o Minho foi bastante elogiado pelo seu bucolismo.
Embora outras características recomendáveis – como, por exemplo, a transbordante alegria da população – não ficassem esquecidas, a qualidade da paisagem sempre mereceu a primazia de uma quase generalizada exaltação, não desprovida, por vezes, de um ou outro traço mais marcadamente kitsch.
‘A paisagem minhota, no coração do Minho, é a dum gracioso presépio, um desses presépios lindos, em que figurassem os aprazíveis reis magos, na sua visita ao prodígio da Galileia’, escrevia Teixeira de Queirós. O Conde de Aurora notava igualmente que ‘no Minho é tudo pequenino, tudo é de brincar, tudo é teatral como um presépio; tudo é graça, tudo é beleza’. Com mais ou menos encómios, as opiniões convergiam. O Minho era, para usar uma expressão do séc. XIX, da autoria de José Augusto Vieira, ‘o jardim de Portugal!’.
A região também tinha uma contabilidade negativa. Durante séculos, foi um movimentado campo de batalhas. E era pobre. Só com o advento do regime democrático é que a água, a luz e o saneamento básico começaram a chegar à maioria das casas rurais minhotas. Em nome da melhoria das condições de vida da população foi, entretanto, legitimada uma série de atentados contra o património cultural e ambiental, como se o desenvolvimento fosse impossível sem deixar um rasto de destruição.
Os tempos mais recentes têm transformado uma parte substancial do Minho num sítio em que os terrenos agrícolas foram decorados com bombas de gasolina e stands de automóveis. A degradação da paisagem minhota, já tão danificada pela construção caótica, tem sido ainda acelerada pela multiplicação de estradas. O modelo de crescimento desordenado não é uma especificidade minhota, nem sequer nacional. Mas, tem, sempre e em todo o lado, os mesmos nefastos resultados.
O tipo de crescimento em voga tem estimulado o uso do automóvel, tornado hoje um objecto quase indispensável. Sucede que, citando o antropólogo Edward T. Hall, ‘o automóvel isola o homem do seu ambiente, bem como de contactos sociais. Permite apenas os tipos de relação mais elementares, que põem muitas vezes em jogo a competição, a agressividade e os instintos de destruição. Se quisermos redescobrir o contacto perdido tanto com os seres humanos como com a natureza, teremos que achar uma solução radical para os problemas colocados pelo automóvel’.
Talvez valha a pena pensar nisto.”
Talvez.
É esperar que, à medida que as autárquicas se aproximam, a questão da mobilidade não seja descurada do debate político.
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