Capítulo 19: mapas
Sempre gostei muito do mundo inteiro. Pode ter sido por causa do candeeiro-globo que adorava fazer girar, do mapa muito velhinho que o meu pai encontrou e recuperou, ou simplesmente das cores dos países. Sempre gostei muito da cor de África, retalhada a rosas e amarelos, verdes e azuis e nunca gostei muito da Ásia, porque era quase toda de uma cor e ia desde depois da Alemanha até aquele estreito que quase toca o Alaska. Portugal quase não se via e Braga muito menos, mas perto do Porto havia um pontinho que eu desenhei a caneta preta e sempre quis muito que fosse Braga. Agora que penso nisso, as probabilidades de ter acertado na localização são bastante altas, já que num Portugal tão pequenito, o mais provável é que o pontinho representasse todo o distrito de Braga.
Sempre gostei muito de mapas. Pode ter sido por causa do pontinho, da forma dos países e das cidades, ou simplesmente das cores. Deve ser isso, as cores. Sempre gostei de cores e as cores dos mapas ajudam a dar cor ao mundo, negro de não o conhecer.
Quando estive em Dusseldorf pendurei o mapa da cidade na porta do quarto e nele desenhava quase diariamente o meu trajecto, preocupado em conhecer sem me perder. Aventurava-me, mas não para muito longe do rio, para depois descer até ao Reno e voltar a casa, no centro histórico à beira Reno. Acabei por conhecer muito pouco da cidade porque sempre tive medo de me perder numa cidade tão grande e em que as palavras que lia no caminho tão pouco me diziam. Aprendi algumas, mas nunca consegui articular mais de três ou quatro. Ficou, no entanto, apontada a vontade de aprender alemão. A cidade que conheci foi pouco mais que o zoom que os senhores do turismo de Dusselforf fizeram do centro da cidade. Ainda fiz umas viagens de S-Bahn até ao Aeroporto, que era quase de um lado ao outro. Mas conhecer coisas de comboio é uma porcaria, porque o que queres ver já passou. Depois conheci um bocadinho de Leverkusen e Colónia, mas o Reno puxava-me sempre para Dusseldorf. Ainda assim, dois meses na Alemanha Ocidental permitiram-me substituir o a amarelo do velho mapa. Pintei-a de azul sujo do Reno, de vermelho cor das paredes e cinzento escuro dos tectos das casas; pintei-a com muito verde e castanho das árvores e das sombras delas, dos parques que não acabavam. Ainda pensei fazer isso naquele mapa velhinho, mas num pontinho não cabem todas as cores.
Estes últimos meses têm sido muito bons, no que à pintura diz respeito. Conheci as cores do céu e andei nas nuvens. Descobri que a França vista de cima é como um gigantesco campo agrícola; e quem diz França diz Bélgica, também. Tenho a ideia que passei no Luxemburgo, também, mas aquilo é tão pequenito que não sei se o que eu pensava que era o Luxemburgo era mesmo o Luxemburgo ou a Bélgica ou a Alemanha. Mas o que eu gostei mesmo foi de ver o Gerês do céu; imagem mais bonita. Ainda assim, depois de ter voado meia dúzia de vezes, acho que não é assim tão especial como se diz. É, isso sim, muito confortável e rápido, apesar de os aeroportos serem sempre demasiado longe da cidade.
Quando voltar a Braga quero pintar o mapa velhinho. Quem sabe, quando eu for velhinho, também, o mapa ainda mais velhinho não tenha já outras cores novas: as cores que os meus olhos viram verdadeiras.
publicado originalmente no blogue voando à deriva. por falta de tempo, não me foi possível escrever a crónica desta semana; espero fazê-lo já na próxima semana.
Grande texto
ResponderEliminarSe calhar esse pontinho inicial era apenas a da velha Braga que eu, em miúdo, espreitava das janelas do Hotel Francfort, que tem uma fachada brilhante, em vermelho escuro, ou quando subia no elevador do Bom Jesus, onde ía ver Braga por um canudo, aproveitando para beber uma Bussaco por uma palhinha que não era de plástico...
ResponderEliminarVejo que gostas muito da tua Braga, e também eu gostei muito da tua cidade, quando aí fui, era ainda adolescente.
ResponderEliminarDizes que não tens tempo para escrever mas escreves muito bem. Arranja mais tempo e brinda-nos com a tua literatura.
Um beijinho de uma tua admiradora que te lê às escondidas...
Belas matizes as do teu mapa...
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