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República de Outono, Outono de Democracia

Temos uma República com fundação em Outubro, mês que, de São Petersburgo a Lisboa, não é mês para fazer revoluções. Estas não se fazem ao cair da folha, quando está o mundo tão sujo e deprimido por si, que por muito que se queira aparecer com novidades faz-se pouco mais que substituir muito do que se tem por nada ou coisa nenhuma. E isso, não há primavera que resolva.

Criou-se um Presidente de República que é, quer queiramos quer não, figura de si tão obsoleta como um Rei, legitimada por 10 anos apenas (em tradição, raramente se perde o segundo mandato), uma personagem que, só por existir, desrespeita o âmago da democracia e do debate permanente de ideias. É, por si, um insulto ao parlamento, porque perpetua a ideia desconcertante de nos calhar por fado deputados que não são de fiar, incapazes de cumprir a Constituição e sobretudo legislar - embora se legisle tudo e mais alguma coisa - em tradução do que é o espectro da sociedade que representam. É uma regulação unipolar, de certo modo autocrata, não pelo poder do voto mas no poder do veto.

Bem vistas as coisas, e somando isso, um Presidente existe somente para vociferar discursos redundantes em torno de matérias redundantes, para puxar pelas orelhas e pela moral (?) à classe política, em conselhos de ancião caduco que orienta por parábolas, como um astrólogo faz quando traça cartas astrológicas que dizem tudo e dizem nada sobre nós. Não surpreende que, na total redundância, saiam todas as interpretações possíveis – do PCP ao CDS-PP -, que um Presidente seja Cristo para uns no discurso de Abril e Anti-Cristo para os mesmos em Junho.

Mas Cavaco, Sampaio ou Soares nunca disseram nada que não diria qualquer senador de bancada, na poltrona ou em entrevista a Judite de Sousa. Nunca disseram o que não diria cada um de nós. Tragicamente este sistema redundante só existe porque desde a sua fundação quase todos os eleitores se perderam na sua superficialidade, e nunca pararam para pensar às vezes e olhar o teatro de interesses e leviandades que se tornou a democracia institucionalizada num edifício pétreo cheio de gente que ninguém conhece nem sequer sabe que elegeu ou sabe que existe. Gente que se convence que percebe tanto de leis como de porcas prenhas, que vendo no acto burocrático da democracia um desperdício em si mesmo, desperdiça-se com isso. Gente que, entre abominação e a redenção, se deixa embalar por alguém que, no meio da papelada, há-de apontar defeito ou falta de virtude, fazer disciplina de voto e arrepiar caminho na pompa e protocolo para algum lado ou para lado nenhum.

8 comentários:

  1. Cavaco "Teme grande aumento de desemprego". Extraordinária novidade.

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  2. Ok a presidência é obsoleta mas sinceramente se isto é a causa dos males do regime eu vou ali e já venho...

    Que tal começar com uma população apática, que vive no meio da maior imoralidade no seu dia a dia (nepotismo, corrupção, tráfico de influências...) e que como tal já nada estranha nem nada espera.

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  3. É por aí Pedro.
    Eu aponto o alheamento das pessoas da democracia. Numa democracia participada não há sentido para este tipo de figuras unas.

    A funções entregues a um Presidente da República são da obrigação de cada eleitor em si.

    E toda a passeata que um presidente faz pelo país abaixo é um outro tique obsoleto, centralista, adaptado do "rei que vai à provincia", trazido desse tempo, revisitado pelas procissões de Américo Tomás e continuada Abril em diante.

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  4. Vítor,

    Eu não sou grande fã do regionalismo - para ser sincero não gosto mesmo nada da ideia, simplesmente não faz sentido nenhum na nossa tradição política (além de a tradição de poder local ser uma de podridão até à medula). Agora o que eu acho é que pensar que algo faz parte das responsabilidades do eleitor nesta altura do campeonato é tempo perdido. As pessoas estão demasiado desmotivadas para querer saber de seja o que for - dada a qualidade da actividade parlamentar não é assim tão estranho. É preciso uma nova cultura política e para isso é preciso arrasar a que temos neste momento. Aí podemos entrar pela discussão dos detalhes do sistema e ver se a figura do presidente faz sentido.

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  5. 1: Para ser polémico acho que o sistema partidário devia ser refundado. Podemos sempre esperar que colapse por si, mas sinceramente - e vistas as coisas com a recente catástrofe (dependendo do ponto de vista) do sistema financeiro - há uma crise de valores que torna cada vez mais inútil o sectarismo entre os partidos actuais, que se misturam no espectro tão iguais que nem em si arranjam alternativa.

    Só assim fará sentido termos 2 partidos cristãos-democratas disfarçados de socialistas e sociais-democratas, a ocupar 75 % do eleitorado,a sucederem-se um ao outro, só porque o eleitorado entende que o já de si frágil castelo de cartas em que vive, cairia se assim não fosse. "Partidos de Governo", que desdenham desde que os conhecem mas que compram sempre.

    Mas esta mentalidade é herdada da percepção de que o governo é o mais importante órgão de soberania. De verdade o Parlamento nunca serviu em anos largos de República para outra coisa senão para dar louvores e fazer teatro. Já vem do tempo do Presidente do Conselho - altura em que, tal como hoje, nem os ministros iam a sufrágio. Percebe-se logo aí que a democracia parlamentar que temos é de tão má cara, que nem os ministros (na sua maior parte) se lhes dá para sentar no hemiciclo como deputados alguma vez na vida e alguns façam do assento meio de se "afastarem da política" (Santana Lopes).



    2: Temes o regionalismo pelo caciquismo. Compreendo. Mas há decisões feitas desde Lisboa que são absolutamente tecnocráticas e isso é trágico para as populações.

    De verdade, o grande problema é que a hierarquia partidária dos aparelhos imita todo os patamares de poder e nomenclatura do estado. E a democracia morre por aí, porque a gestão do Orçamento de Estado é feita de acordo mais pela primeira que pela segunda. E gente com carácter não se mistura com essa forma de política - tão pouco tem paciência - deixando o país entregue aos Quim Barreiros e Tonys Carreiras do Poder Autárquico a dar ao povo o que o povo acha que quer... Lisboa faz o que quer com a gente que lhe facilita as empreitadas nacionais, que por uma piscina municipal e um viaduto, são capazes de vender a alma do povo sem o povo se aperceber disso.

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  6. Este texto demonstra um total desconhecimento do sistema presidencial português.
    E mais não digo para além de aconselhar o autor a estuda-lo convenientemente.

    "Só assim fará sentido termos 2 partidos cristãos-democratas disfarçados de socialistas e sociais-democratas, a ocupar 75 % do eleitorado,a sucederem-se um ao outro, só porque o eleitorado entende que o já de si frágil castelo de cartas em que vive, cairia se assim não fosse. "Partidos de Governo", que desdenham desde que os conhecem mas que compram sempre."

    Mas o Vítor Pimenta não é o mesmo que critíca o PCP por ser uma k7?
    Agora já vem dizer que é preciso mudar porque os que estão no poder é que são k7?
    O ideal seria arrasar tudo com um buldozer não era?
    Este tipo de opiniões são próprias de quem não tem soluções.
    Então "bora" lá destruir porque alguém construirá algo de novo.
    Quem?
    Alguém.

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  7. Caro João:

    há dias que me retiro de lhe responder. Se você exige que as outras pessoas se descolem do Centrão, porque não dizem nada do que fazem, descole-se você do PCP, que vistas as coisas por lá, não é casa para quem opte por dizer as algumas verdades.

    Edigo-lhe, sempre achei exagerado que chamassem k7 a comunistas, mas caí no erro de ver e ouvir a Margarida Botelho, deputada do PCP, a argumentar no Corredor do Poder da RTP, e imediatamente vi que o "elogio" afinal não é por acaso.

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  8. Por mim que seja destruido... quanto antes melhor para minimizar os estragos que irá causar.

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