Capítulo 3: da monarchia
Há um par de meses, numa conversa sobre ideias, um amigo falou-me da "Monarquia do Norte", a mais importante tentativa de restauração da Monarquia em Portugal; como nunca tinha ouvido falar de tal coisa, decidi ler sobre o assunto.
A Monarquia do Norte, proclamada no Porto a 19 de Janeiro de 1919, durou apenas 25 dias, mas conseguiu expandir-se por todas as grandes cidades a norte do rio Vouga, à excepção de Chaves. Apesar de não ter conseguido conquistar Aveiro nem Coimbra, o movimento monárquico liderado por Paiva Couceiro fazia tremer o Governo de Tamagnini Barbosa, obrigando-o a apelar aos civis e estudantes que se alistassem para defender a República.
A 22 de Janeiro, enquanto um grande número de voluntários republicanos davam vivas à República em desfile patriótico até ao Terreiro do Paço, as forças monárquicas lisboetas entrincheiravam-se no alto de Monsanto para, na manhã seguinte, bombardear Lisboa e tentar a rendição do Governo. A batalha durou até à tarde de 24 de Janeiro, quando as forças republicanas se uniram e preparam um ataque geral às forças monárquicas que não tardaram a render-se.
Com esta demonstração do poder republicano, as forças partidárias da "República Velha" voltaram à esfera do poder para combater a política do Governo de Tamagnini Barbosa, que legislava mais para agradar a monárquicos e republicanos do que para bem da Pátria; curiosamente, a revolta monárquica como a contra-revolta republicana têm o mesmo fim: a "salvação da Pátria". A 26 de Janeiro, Tamagnini Barbosa demite-se e, a 28 de Janeiro, José Relvas sucede-lhe.
Com a monarquia confinada ao espaço a norte do Vouga, as forças republicanas foram avançando e reimplantando a República e, ainda antes do final de Janeiro, várias cidades eram já republicanas. Pouco tardaria até que, a 13 de Fevereiro, a República fosse reimplantada na capital da monarquia do norte, o Porto, pelos mesmos que 25 dias antes haviam restaurado a Monarquia.
A História também é feita de mudanças de ideias.
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Para saber mais:
Paiva Couceiro e a contra-revolução monárquica, Artur Ferreira Coimbra
Para quem dizia ter uma base de apoio popular tão larga foi vida curta...
ResponderEliminarpedro, o apoio popular foi enorme; o problema é que o apoio popular não é compromisso e estar do lado dos que ganham dá sempre menos chatices...
ResponderEliminarJoão, se estamos a falar de uma situação em que a população em geral apoiava quem quer que parecesse ter a posição dominante não estaremos perante o que poderia ser definido como "indiferença popular face à questão de regime"?
ResponderEliminarAtenção que estou só a especular um pouco, não conheço os detalhes históricos da monarquia do norte para poder falar com certezas.
Gostei do tema deste post, e pergunto: é verdade que a coragem, a abnegação e o inegável carácter das gentes do Norte estiveram sempre ao serviço da reacçao? Tivemos também o 28 de Maio e até a revolta da Maria da Fonte foi uma sublevação retrógrada. O Porto é diferente. mas o Minho' O que dizer? Continue a escrever.
ResponderEliminarFernando Castro Martins
No final do texto pode ler-se "...pelos mesmos que 25 dias antes haviam restaurado a Monarquia.". Este facto é característico dos golpes, contra-golpes e intentonas que caracterizaram o período da Primeira República: o vazio ideológico de muitos personagens políticos, alguns bastante apoiados pelas massas. Tal facto não tem directamente que ver com a República, posto que antes de 1910 a política era bastante semelhante. Aliás, a questão República/monarquia, não era uma questão ideológica, como então se queria fazer querer, posto que a Primeira República manteve o mesmo regime político da Monarquia Constitucional, um parlamentarismo oligárquico, que pouco teve de democrático.
ResponderEliminarQuanto à "Monarquia do Norte", foi apenas mais um golpe, entre outros, ao qual nem o próprio ex-Rei Manuel quis aderir. Uma das razões pela qual a tentativa restauracionista não resultou foi, precisamente, o facto de os revoltosos não terem conseguido controlar Lisboa (felizmente), na altura, mais do que agora, o epicentro político do país.
O apoio popular, quando falamos desta época, é uma espada de dois gumes. Se olharmos para uma caracterização sócio-economómica da população portuguesa, há 80 anos, não será de estranhar que a adesão popular fosse relativamente fácil de conseguir. O caciquismo latente acabava por controlar a "vontade popular".
Não me parece que houvesse uma preferência especial das gentes do Norte pela monarquia. O Norte tão-pouco conhecia a família real, cujos desvarios extravagantes, mais visíveis no Sul, acabaram por tornar o povo de Lisboa tendencialmente mais "republicano". Parece-me que no Norte a adesão popular à "Monarquia do Norte" deve ter sido conseguida sobretudo pelos sectores conservadores religiosos, que a República laica combatia. A implementação da "Lei da Separação" moveu, de facto, as comunidades mais católicas contra a Repúlica.
Não me parece, contudo, que a coragem das gentes do Norte tenha estado sempre ao serviço da reacção. Nesta questão da "Monarquia do Norte", Chaves é um bom exemplo de coragem contra a reacção. Quanto ao 28 de Maio, de facto começou em Braga, mas imediatamente a seguir em Évora, e não foi uma revolta popular (nem teve qualquer apoio da população em geral).
Esta temática é interessante e deve ser discutida. Óptima ideia, a deste post.
Boa análise, sr Gonçalo Cruz.
ResponderEliminarMas vale a pena continuar. E então a revolta do Minho contra os Cabrais? Quem foi Maria da Fonte? Quem foi o Pe Casimiro?
Aqui houve, penso eu, uma sublevação genuína do povo contra a tirania de Lisboa onde pontificaram, de facto valores conservadores. Mas é redutor, também acho, dizer que o povo é reacça...
Serão bem-vindas mais análises suas.
Fernando Castro Martins
Caro Fernando Martins,
ResponderEliminarA revolta da Maria da Fonte foi um acontecimento político e social distinto da "Monarquia do Norte". Mas também aqui me custa a aceitar numa revolta "genuína do povo" (será que elas existem?). O tal Pe. Casimiro, limitou-se a descrever os factos?...
A Maria da Fonte foi, de facto, motivada por valores retrógrados, como o enterramento de cadáveres dentro das igrejas. Mas teria sido este o motivo principal? Ou foram os impostos dos "Cabrais"?
Estamos então a falar de conservadorismo, ou de uma certa resistência a um sistema moderno e europeu de estado? E essa resistência não existe ainda hoje?
A substituição dos "impostos religiosos" pelos "impostos civis" foi longa e difícil. Sobretudo porque os "impostos religiosos" prometem o céu... Mais uma vez, no Minho, onde as populações estavam muito ligadas à Igreja e sua influência.
Mas não devemos esquecer que revoltas contra a autoridade do governo houve várias, umas mais espontâneas que outras, tanto no Minho, como em Lisboa, como no Alentejo (não há muito tempo).
Obrigado pelo comment.