Por esta altura do debate é de supor que os visitantes deste blog já estão inteiramente elucidados sobre os contornos legais que as diferentes modalidades de democracia têm no nosso país, desde logo a partir da Constituição da República". Partindo deste pressuposto, aproveitaria este espaço para tecer algumas considerações acerca da participação na vida pública dos cidadãos, porque é neste aspecto que julgo residirem algumas das maiores fragilidades da nossa democracia, "lato sensu".
Refiro, especificamente, as organizações de cidadãos, em esferas tão diversas como o mundo do trabalho, a cultura, o cooperativismo, a defesa do ambiente, direitos dos consumidores, direitos de parcelas específicas da população (mulheres, menores, sexualidades alternativas, imigrantes, comunidades étnicas), enfim, poderia continuar esta enumeração sem abarcar todas as possibilidades e necessidades que uma democracia viva exige dos seus "utentes".
Os teóricos e académicos têm maioritariamente apontado o longo período sob a ditadura de Salazar e Caetano como um dos principais entraves à participação dos portugueses na causa pública mas, 33 anos volvidos sobre o 25 de Abril, é necessário que essa reflexão seja menos simplista e procure entender porque regrediram as iniciativas organizativas que, com alguma pujança, surgiram nos anos imediatamente posteriores à Revolução.
E, sobre estes anos mais recentes, é notório que numa primeira fase aconteceu um imenso desencanto relativo aos resultados práticos da implementação da democracia na vivência comum. Se é inquestionável que as condições de vida dos portugueses foram radicalmente alteradas, que o estado "civilizacional" da nossa sociedade sofreu profundas transformações, também é verdade que as relações de poder pouco se alteraram e que, depois de uma emergência durante o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), rapidamente voltaram os patrões, os presidentes de câmara, os chefes, os "doutores", em suma, os mesmos protagonistas do regime fascista regressaram ao domínio da vida colectiva, se bem que agora (quase sempre) legitimados pelas leis da democracia.
Será, então, urgente um novo grito de liberdade, para que possa ressurgir em Portugal essa participação generosa e solidária, quantas vezes anárquica e inconsequente, mas absolutamente fundamental, para que a democracia não se consolide como um conjunto de normas e práticas rotineiras, a que apenas somos chamados para ratificação de quatro em quatro anos, sem que, as mais das vezes, exista a percepção de que os protagonistas posicionados para a conquista do poder apresentam de facto projectos alternativos para a gestão da coisa pública.
(*) Membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda
Um bom texto radical. Gostei particularmente do último parágrafo.
ResponderEliminar