Já vão dias de ressaca de Halloween, de bruxas de Montalegre tornadas e consumidas aqui como produto de mercado americano. Mas ficamo-nos por alegorias de Entrudo pois a política portuguesa, no seu palco privilegiado de S. Bento, é uma bancada de caretos de Podence. Diria ópera de fantasmas se, na presença ausente de muitos, os deputados cantassem tão bem como falam.
Mas belo Parlamento o nosso então, feito da mais fina-flor de nata, polvilhada de canela como pastel de Belém, do que de melhor temos para oferecer em caras e caretas, oradores e orados.
Partidos de cúria na incúria da representatividade da Assembleia da República que, nos membros que a compõe, é tudo menos um espelho de vontades dos portugueses e tão pouco se lhe assemelham na vida regrada. Qual senado romano, funciona de aparências e discutem-se as coisas como garante de direitos por eles adquiridos, tomados por muito trabalho, aparelho acima ou por desígnio de família, boa família diga-se. E muito à margem da obrigação a quem vota neles que, na grande maioria, nem os conhece.
Ironias da Democracia representativa, em exemplos que já não o são de agora, no total desprezo pelos locais, sobretudo em partidos nas suas maiorias (relativas ou absolutas, sozinhas ou em coligação), nas escolha de cabeças de cartaz. É que quem encabeça as listas distritais são, muito na verdade, um enxerto esquisito e aqui metáfora mais clara de outro ornitorrinco que não o pacheco pereiriano, mas parente. Em listas feitas em Lisboa, por Lisboa e para Lisboa, Seguro ou Menezes em Braga têm tanta lógica como uma casa caiada em Trás-os-Montes. Mas no agitar entusiasmado e cego de campanhas e comícios aceitam-se os nº1's como actrizes de novela brasileira no Carnaval da Mealhada. Tão pouco fazem sentido ali, a abanar-se de tanga no frio continental de Fevereiro, mas valem bem o dinheiro que se lhes mete, ou os votos que se lhe dão ou as bandeiras que se abanam. Interessa antes eleger o primeiro-ministro, o que está ou o que virá, e dos outros eleitos pelo ciclo tão pouco se nota que existem.
O Resultado são deputados "da manteiga" e doutores de mula russa. Juntos num parlamento que pinta o país num quadro perfeito: quase todos licenciados de alguma coisa, engenheiros raros, mas quase todos candidatos a primeiro-ministro à esquerda ou à direita, pessoas de se lhe tirar o chapéu. E mais dormem que fazem. E não se diga que é mito de Passos Perdidos desfalecer de indolência no hemiciclo. Já m’o disseram de bafo etílico ao ouvido, no desespero de eleições legislativas de há pouco tempo, para uma legislatura que ficou pela metade. Quantas não são as histórias de deputados de governo, estremunhados de sono, acordarem e juntarem-se nas palmas da oposição. E dos grupos de trabalho feitos mais por raras formiguinhas de serviço, porque os outros fazem monte, no sobe e desce do “a favor e contra”, quando, na generalidade, todos se abstêm. Das obrigações, repito, do amor a um trabalho nobre no mais belo estaminé da democracia portuguesa. Mas por enquanto, feito de deputados escolhidos, em grande parte, à distancia e à rebelia dos anseios dos ciclos que representam, antes preocupados em como regressar de manhã vindos do bairro alto ou de festas de protocolo e presença, tornadas menos formais com o decorrer da noite. Merecidas seriam as rebeldias, se nos dias que se lhe seguissem ou antecedessem, fizessem eles o trabalho que se lhes exige.
Muito bem escrito como de costume. Injusto para muitos deputados obreiros e competentes.
ResponderEliminarVerdade JMF, leva o remendo por aqui... Refiro-me à generalidade, porque a maioria por ali torna-se o todo visto por fora. Mesmo apesar dos recordes de requerimentos de Honorio Novo e Agostinho Lopes, hoje no DN. Estes e outros poucos mais, a "exercerem plenamente o cargo de deputados", excepções ofuscadas pela regra.
ResponderEliminarNovo Blog da região.
ResponderEliminarhttp://publicapraca.blogspot.com
Visitem.
A Avenida do Mal volta a levantar questões pertinentes com grande mestria.
ResponderEliminarÉ verdade que o processo de elaboração das listas de candidatos é, seguramente, um dos momentos em que a nossa democracia bate no fundo. Não há elevação. São contas de merceeiro no pior sentido que se possa atribuir a esta expressão. Distribuem-se cabeças de cartaz sem conhecimento das realidades locais, cobram-se favores e lealdades, esquece-se o trabalho e a competência! Vale tudo para conseguir um “lugarzinho”...
Depois da eleição, para a grande maioria, é tempo de descansar das estafantes campanhas eleitorais, feitas às custas de muitos almoços e jantares, dos beijinhos, da indispensável parafernália de brindes inúteis, para além de ameaças mais ou menos veladas...
É verdade que há os campeões de requerimentos. O PCP terá sido provavelmente o primeiro a descobrir o filão e continua a ser o campeão. Mas os outros já perceberam que esta é a forma mais fácil de verem aparecer o seu nome na comunicação social. Será que alguém acredita que aquele trabalho é feito pelos políticos? Os requerimentos são fruto da máquina partidária e, nesta competição, ganha a que for mais ágil...
Para manter a cara e o nome na memória do povo é preciso aparecer de vez em quando. E aí há sempre uma inauguração, de preferência à sexta ou à segunda, para colar ao fim-de-semana em casa...
E depois é só mandar umas “bocas”. Não nos podemos esquecer que, como diz Milan Kundera, em Imortalidade, “a arte da política já não consiste, hoje, na gestão da polis – esta gere-se sozinha pela lógica do seu obscuro e incontrolável mecanismo –, mas em dizer “petites phrases”, em função das quais o político será visto, interpretado, julgado nas sondagens de opinião e também eleito ou não nos actos eleitorais seguintes” (peço desculpa pela tradução de cor).
Mas será que a culpa é toda dos políticos? Não, seguramente. A culpa é também de todos nós, que frequentemente dizemos mal de tudo e de todos, mas continuamos alegremente de braços cruzados.
Quantos de nós nos procuramos informar sobre os políticos que vamos eleger? Quantos nos preocupamos em ler as suas propostas? Quantos nos demos ao trabalho de os obrigar a trabalhar expondo as nossas questões? Quantos cobramos as promessas eleitorais inevitavelmente metidas na gaveta? Poucos, seguramente...
Será que as novas gerações poderão mudar significativamente este cenário? Ao ouvir o trio de blogers a minha preocupação em relação à participação cívica aumentou. Resumidamente, e espero não deturpar, o que Pedro Morgado, Vítor Pimenta e Samuel Silva dizem que é os caloiros são os que mais participam nos actos eleitorais na UM, arregimentados por quem os praxa. Ora, provavelmente em alguns casos são jovens que estão a participar pela primeira vez num acto eleitoral. O que significa que aprendem a ser “carneirada”, a votar acriticamente, a perpetuar estruturas de poder. Isso não augura nada de bom para a nossa democracia...