Quando andava no 12º ano, fui convidado, conjuntamente com 3 colegas, a partilhar um testemunho sobre a nossa experiência no Ensino Secundário. Escrevemos assim [1]:
«Sentimos, cada dia que passa, que o Ensino Secundário está a tornar-se numa grande fábrica de empacotamento de saber, com eficácia muito duvidosa, onde se produz, em grande escala, "sabedoria" em fardos. Parece, até, que a função deste Ensino Secundário não é mais que chapar um código de barras nos embrulhos de saber que produz, para depois as Universidades fazerem a leitura e, mediante o valor registado, ordenarem os candidatos ao Ensino Superior.
Sentimos que a herança destes três anos de Ensino Secundário se reduz a uma mole de noções vagas, conhecimentos ténues, frases feitas e fórmulas decoradas.»
Vem isto a propósito de uma chamada de atenção feita pelo meu amigo Luís Ferreira, sobre duas imprecisões ou erros plasmados em dois manuais escolares adoptados para o próximo ano lectivo. A primeira questão é uma mera imprecisão terminológica que, contudo, deve evitar-se nos manuais escolares. Como facilmente se vê pela imagem (do livro Jogo de Particulas, da Texto Editora), trata-se de uma radiografia do crânio e não do cérebro, cuja visualização, aliás, não é possível com recurso à radiografia tradicional. Bendito seja o "nosso" Egas Moniz que durante décadas nos proporcionou a observação do fluxo arterial cerebral in vivo através da angiografia cerebral.
A segunda questão é mais séria e já dura desde os meus tempos de Secundário. Quando o consenso científico aponta para a formação de 30 ou 32 moléculas de ATP (Adenosina trifosfato, a molécula da energia) como rendimento da respiração aeróbia (com uso de oxigénio), o livro Desafios Biologia e Geologia - 10º Ano das Edições Asa continua a apresentar aos estudantes a desactualizada fórmula que resulta na criação de 36 ou 38 moléculas de ATP. E apresenta-a como um dado adquirido e consensual sem direito a qualquer tipo de confrontação. Como se a ciência se fizesse de saberes absolutos e, neste caso, desactualizados. Não sei quem é(são) o(s) responsável(ies) pela manutenção deste erro nem tão pouco se se trata de um erro é comum a todos os manuais de Biologia e Geologia. O que digo é que devia evitar-se.
Tantos anos volvidos, parece que o quotidiano dos alunos do Secundário continua a fazer-se por entre uma série de noções vagas, conhecimentos ténues, frases feitas e fórmulas decoradas. Felizmente há professores que contornam o sistema e tornam essa experiência mais interessante. Eu tive a felicidade de experimentar alguns.
[1] Paraskeva, J e Morgado, J. (2001) [Re]Visão Curricular do Ensino Secundário, Edições ASA.
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E serão estes apenas alguns dos erros... Quantos mais não existem. Tendo em conta o preço que se paga pelos manuais escolares é de arrancar os cabelos!!!
ResponderEliminarQuem não se lembra de um professor que tenha corrigido erros dos manuais? Acho difícil que exista alguém
Excelente mote e abordagem. Os manuais escolares continuam a ser incontestáveis, na mente das editoras, como os dos inquisidores.
ResponderEliminarÉ a falta de rigor. Do saber a granel vendido como feijão à face da estrada.
É bem verdade o que escreves. No Secundário apresentam-nos tudo como verdades inegáveis. E depois, na universidade, somos confrontados com estes erros e é um choque.
ResponderEliminarNão teria dito melhor. Realmente é incrível que certos erros ainda passem para os nossos livros e sirvam para construir as bases que irão depois ser deitadas abaixo na Universidade... Vê-se bem como anda o nosso Ensino.
ResponderEliminarJá encontrei coisas bem piores: por exemplo num livro do meu irmão do 5º ou 6º ano explicava que as c�lulas tinham dimens�es muito variáveis, podiam ser muito grandes ou muito pequenas. Até aqui tudo muito bem, não fosse o exemplo dado de célula grande a de 1 ovo de avestruz! É um disparate tão grande que chega a ser engraçado. Complicado é explicar a um miúdo de 10 ou 11 anos que o livro dele está errado, principalmente se se for a irmã mais velha "lá tás tu com a mania que és inteligente, queres saber mais do que o meu livro?"
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