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O Mundo ao Contrário (II)

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Porque a droga é um enorme drama social e a toxicodependência uma cruel doença (apesar de muito estar por descobrir, já conhecemos muitos dos circuitos neuronais que se encontram transitoria-e irreversivelmente desregulados pelo consumo das substâncias de adicção) não admira que a maioria dos Estados condene o tráfico de drogas e continue a considerar ilícito o seu consumo. Assim, torna-se imperioso um combate sem tréguas ao tráfico de estupefacientes e, não ignorando que a saúde e integridade das pessoas são prioritárias, parece indispensável investir em programas de saúde pública que visem, em primeiro lugar, diminuir o número de pessoas que inicia os consumos e, em segundo, proteger a saúde daqueles que caíram nas malhas da toxicodependência.

A disponibilização de seringas nas cadeias, ainda que possa ser encarada como uma medida importante para a redução da incidência de doenças infecto-contagiosas no meio prisional, não deixa de ser reveladora de alguns factos que convém não ignorar:

1) Quando admite como inevitável a existência de droga nas prisões, o Estado revela-se, por razões óbvias, tristemente incapaz de combater com eficácia o tráfico de estupefacientes. Desde logo, porque o tráfico para o interior das prisões se afigura mais fácil de combater do que todos os outros tipos.

2) A existência de drogas e seringas nas prisões, dada como certa pelos organismos competentes, parece indiciar que haverá cúmplices desse tráfico que não estão a ser devidamente investigados e punidos pelos órgãos (in)competentes.

3) A distribuição de seringas sem a disponibilização de salas destinadas ao consumo torna possível que os reclusos circulem com as seringas para onde quiserem e façam delas o uso que bem entenderem.

Não estou certo que seja o melhor que podemos fazer pelos toxicodependentes que se encontram detidos, duvido que esta medida per si vá ao encontro do espírito reintegrador do sistema penal português, não acredito que contribua para proteger a segurança da maioria dos cidadãos e ainda mais me espanto com a facilidade com que se entregam estes doentes à sua própria sorte.

Eis os pincipais motivos da minha admiração, caros Max e Miguel Valério. Ainda que compreenda o alcance da medida em termos de saúde pública, não posso deixar de a olhar com alguma apreensão e uma enorme desilusão pela inversão de prioridades na política de combate e tratamento/acompanhamento das toxicodependências.

6 comentários:

  1. As drogas estão lá dentro. São usadas. O problema no entanto é muito mais complexo do que aqui explanado e não vou tentar fazê-lo neste post. Uma pequena achega, no entanto:
    Os meios de introdução das drogas nas cadeias são imensos e alguns involvem tácticas refinadíssimas que escapam a qualquer guarda prisional. Recomendo que vejam o filme "Sweet Sixteen" de Ken Loach para terem um pequeno insight do que o tráfico de estupefacientes pode ser. Aliás, todos os países do mundo têm este problema!

    Podemos aceitar que há drogas nas cadeias e tentar minimizar esse problema dando condições higiene-sanitárias para que essas mesmas drogas sejam consumidas ou então podemos ignorar, fazermo-nos de hipócritas e pensar que está tudo bem. é um bocado aquela atitude dos estados Àrabes que não admitem a homossexualidade.

    Concordo no entanto que a distribuição de seringas não seja feita de uma qualquer maneira. Aliás, até porque, como foi referido estas se podem tornar numa poderosa arma!

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  2. Antes de mais deixa-me completar a tua ideia em que consideras a toxicodependência uma doença. O toxicodependente é um doente bio-psico-social. Por isso, antes da toxicodependência degradar o indivíduo biologicamente, já o foro psicológico e, sobretudo, social haviam entrado em acção. A toxicodependência é, sobretudo, uma doença comportamental.

    Depois, devo dizer que há muitas formas de combater a toxicodependência sem que sejam necessárias a distribuiçao de seringas em meio prisional e a criação de salas de injecção assistida, as quais tenho muitas dúvidas acerca da sua plena eficácia. Eu sou muito apologista da opinião de que a principal arma tem de se centrar na prevenção e não na legitimação e legalização do consumo, mesmo que por meios "saudáveis", se assim podem ser apelidados.

    Muito podia eu falar teoricamente das minhas ideias acerca de prevenção e combate à toxicodependência, que tem vindo a tornar-se num autêntico flagelo social. Contudo,prefiro falar de uma prática muito eficaz, digna e louvável de combate e tratamento à toxicodependência que ocorre nos estabelecimentos prisionais de Braga e Guimarães. O Projecto Homem (instituição de reabilitação de toxicodependentes em Braga, instituição na qual com muito gosto fiz o meu estágio curricular) tem técnicos que fazem um igual trabalho com grupos de auto-ajuda nessas mesmas cadeias com vista a ajudá-los a libertarem-se do mundo das drogas. Muitos deles chegam mesmo a sairem da cadeia, ingressando no Projecto Homem com o intuto de levarem a cabo o programa terapêutico da instituição e se libertarem da dependência de estupefacientes. Conheci mesmo um caso muito próximo de um utente com quem trabalhei que estava preso por tráfico de drogas, e também consumia. Com a ajuda dos técnicos da cadeia que também são terapeutas no Projecto Homem foi incentivado a ir para lá fazer o programa de recuperação. Ou seja, saiu da cadeia com o objectivo de fazer o programa até ao fim. Se o fizer, a partir do momento em que receber a alta terapêutica é um homem livre, ilibado da pena. Se não fizer o programa, por desistência ou até expulsão do programa, volta à cadeia e cumpre a pena.
    Não acham que isto é um meio mais eficaz e digno de combate à toxicodependência? Incentivá-los a tratrarem-se libertando-se das drogas, do que ao invés dar-lhes seringas para que eles possam continuar a consumir?

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  3. Caro Pedro. Quanto ao tráfico de droga: este é impossível de ser travado. Está demasiado entranhado e bem organizado dentro da economia europeia. Para isso até te recomendo um excelente artigo que saíu no Courrier Internacional de 4 de Agosto, escrito por um especializado jornalista italiano neste Polvo. Neste pode-se ler que, caso o tráfico de droga fosse totalmente interrompido, a economia europeia entraria em colapso, tão dependente que os subsectores do turismo, construção civil e imobiliário, e do luxo estão dependentes da lavagem de dinheiro. Um dos caminhos até será começar por cima então. Ou combatendo o crime económico com grande concentração dos meios de investigação sobre os movimentos e transações (com todos os inconvenientes das quebras do sigilo e da vida privada das pessoas) ou então ir, progressivamente, liberalizando o consumo e venda de droga

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  4. Cara Helena Antunes,

    Parece-me de facto uma estratégia interessante, a coordenação com comunidades terapêuticas. E concordo que não devem ser distribuídas seringas nas prisões. Mas também estou certo de que, uma vez q realizou um estágio no Projecto Homem, tem conhecimento da taxa de "cura" que proporciona essa abordagem. É baixíssima! Daí que não é uma solução milagrosa nem fenomenal...
    É melhor que nada, é verdade, mas acredito que é fundamental desenvolver outras estratégias para melhorar os resultados.
    A meu ver, e no que respeita ao papel das comunidades terapêuticas, seria muito mais proveitoso se estas proporcionassem uma reinserção social obrigatoriamente distante dos locais onde os toxicodp. desenvolveram a sua dependência.
    Assim, acho que deveria existir uma coordenação entre as instituições que proporcionasse isso mesmo.

    Agora seringas??? Para os diabéticos sim...

    Cumprimentos

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  5. T. Frada,
    O Projecto Homem não é apenas nem somente uma comunidade terapêutica. A reinserção social, familiar e laboral é uma aposta forte da instituição. O Projecto Homem apresenta um programa terapêutico em favor dos toxicodependentes e das suas famílias, isto porque em todas as suas fases também existem grupos de auto-ajuda para os familiares dos utentes.
    O Projecto Homem divide-se em três fases distintas (com três instalações separadas) mas complementares. Antes de mais o toxicodependente é sujeito a um processo de desintoxicação e só depois pode ingressar no Projecto Homem. Assim, as três fases do programa são o Acolhimento (Centro de Dia); a Comunidade Terapêutica (esta sim a fase de internamento); e a Reinserção Social. Até poderia explicar-lhe os objectivos de cada uma das fases, mas não me parece oportuno faze-lo num blog.

    Contudo, dada a pertinência do tema e a sua generalidade e globalidade, e dado que a temática da toxicodependência é uma temática multidisciplinar, quase que podiamos fazer uma tertúlia subordinada a este tema! Muito teriamos a dizer, desde gente das mais diversas especializações até aos mais leigos. E, dado que a toxicodependência é uma doença bio-psico-social, poderiamos ter médicos, psicólogos, sociólogos e educadores.
    Ó Pedro, tu que és uma pessoa já muito experiente nestas andanças de organização deste tipo de coisas é que podias ver isso! Dado ser um tema polémica e inscrito na actualidade seria um debate aceso.
    Eu ofereço-me como socióloga! E com um bocado de sorte ainda levo uns "tóxicos"!

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  6. Obrigado Helena pelas tuas ideias.

    www.mesadaciencia.blogspot.com

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