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Capítulo 42: o farmville e a distopia agrícola

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Costuma dizer-se que o ser humano distingue-se também pela capacidade de adaptação. Habita terras frias, terras quentes, terras húmidas e terras secas e adapta-se às mudanças com facilidade. Mas falamos de "adaptação" e não "naturalização", ou outra palavra semelhante. Entendemos, pois, que o ser humano tem grande capacidade para sobreviver em lugares que não lhe são naturais e não que o ser humano tem grande capacidade para viver os lugares em que habita.

Por esta razão, pensamos muitas vezes em fugir, para aqui ou para ali. Para um país tropical, com um clima quente, praias desertas e pouco ou nenhum trabalho; para um país nórdico, um país que funciona em condições, com sistemas de saúde e educação gratuitos, pessoas loiras e altas; para a aldeia, onde o ritmo de vida é muito mais lento, onde o inverno ainda significa lareira, onde a comida ainda tem o sabor das comidas de antigamente. O nosso instinto de sobrevivência assenta não no desejo de viver, mas no desejo de um dia fugir.

Exemplo disto é uma moda, talvez a maior, do Facebook. É um jogo chamado Farmville que pretende simular a vida no campo e é jogado por 66.000.000 de pessoas em todo o mundo. Para além do objectivo principal (gerir uma quinta), o Farmville oferece aos jogadores um mundo paralelo: os vizinhos urbanos do Facebook são lá os vizinhos rurais do Farmville. Os vizinhos urbanos comentam e gostam das coisas publicadas no Facebook, os vizinhos rurais ajudam a apanhar as ervas daninhas no Farmville.

Até aqui nada de especial, concordo. Mas o jogo, que começa por explorar uma utopia comum, transforma-se rapidamente em distopia: há um patinho feio que pode ser transformado em cisne; vacas castanhas que dão leite achocolatado e vacas cor-de-rosa que dão leite com sabor a morango; elefantes (sim, elefantes numa quinta) que produzem amendoins; uma série de animais que aparecem perdidos: para além do patinho feio e das vacas, há gatos pretos, ovelhas negras e perús.

É um jogo sobre uma utopia que descamba para a distopia, porque afinal, se o jogo fosse retrato fiel da vida no campo, a utopia deixava de o ser. Se no jogo os vizinhos se matassem uns aos outros por metros de terreno; se os agricultores de facebook não conseguissem escoar os produtos porque os agricultores de facebook espanhóis vendessem mais baratos ou se existissem quotas de produção, o jogo não teria grande sucesso; as pessoas descobririam logo a razão que levou os seus antepassados a fugir do campo.

6 comentários:

  1. discordo. a distupia é o mundo real.

    e "Se no jogo os vizinhos se matassem uns aos outros por metros de terreno; se os agricultores de facebook não conseguissem escoar os produtos porque os agricultores de facebook espanhóis vendessem mais baratos ou se existissem quotas de produção",

    o jogo teria muito mais interesse.

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  2. E… quais são as razões que levaram as pessoas a fugir do campo?
    O meu sonho é mesmo levar um vida tranquila num T0 ali na Reboleira ou na Damaia.... quando eu fugir do campo, fujo para Lisboa, lá vou ser feliz!…

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  3. Bravo, João. Excelente análise e excelente retorno, já não o lia desde a altura das eleições, escreva sempre!
    A propósito de retornos, considero que hoje temos tudo para voltar ao campo, temos formação, tecnologia, acessos, tudo do nosso lado para espantar essas razões de fuga e estabelecer um linha contínua entre rural e urbano.. aliás, parece-me que já é um pouco assim que a coisa funciona.

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  4. a ideia do jogo não é representar a vida real mas socializar. E isso consegue-o na perfeição

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  5. uma análise muito interessante... muitos parabens!!!

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