© Alex Zhavoronkova
«Gabavam-se de conhecer "um travesti", que "até tinha mamas" e fizera "operações à cara". Tinha cabelos compridos, pintava os lábios, os olhos. Parecia "mesmo uma mulher". A notícia espalhou-se. Um dia, um lembrou-se de lhe bater. E os outros foram atrás. Deram-lhe murros e pontapés, atiraram-lhe pedras, bateram-lhe com paus, enquanto lhe chamavam "travesti", "paneleiro", "puta". E riam-se. Riram-se muito. [...] Ela saiu, suplicando que a deixassem estar, que não tinha para onde ir. F. e I. atiraram-lhe pedras para a cabeça, ela caiu. Quando se conseguiu levantar, D. passou-lhe uma rasteira e ela tornou a cair. Pontapearam-na, bateram-lhe com paus, baixaram-lhe as calças para ver se tinha pénis ou vagina.» [Público]
Inquietante, esta é a história de um ódio que germina com demasiada naturalidade diante da passividade de meio mundo. Mais do que vítima das mentes hediondas de um punhado de jovens deliquentes, Gisberta morreu às mãos de uma sociedade que continua a negligenciar-se, a consumir-se em demasiados preconceitos e frustradas (des)educações.
Num único invólucro humano, Gisberta reunia todos os atributos para ser odiada pelos filhos desta terra da reconquista. Num único invólucro humano, uma tuberculosa, uma puta, um travesti, um paneleiro, um emigrante, uma sidosa, uma indigente... Num único invólucro humano, todo o sofrimento do mundo, mas sofrimento suficientemente diverso para lhe não dispensarmos as tradicionais lágrimas de crocodilo que emprestamos às tragédias quotidianamente televisionadas.
Convém não esquecer que há uma Gisberta que morre sempre que o preconceito é instilado, sempre que negligenciamos uma educação inclusiva que promova a aceitação e o respeito pela diversidade e sempre que sonegamos o acesso de um qualquer cidadão a direitos civis fundamentais como a saúde, a educação, o casamento ou a segurança.
A completar o cenário de alheamento, uns fones nos ouvidos e uma chiclete na bocarra embalada pelos palavrões próprios de uma juventude à rasca, grunha e cambaleante. O quadro perfeito do Portugal pós-abrilista, das "liberdades", da banana-lidade, da fatelice, do neo-riquismo parolo.
ResponderEliminarbem escrito, muito triste mas bem dito.
ResponderEliminarz
Talvez a parte mais injusta de tudo isto é que quem inculcou esta mentalidade nestes miudos continua à solta... não que isso os ilibe de nada do que fizeram mas a culpa moral continua a morrer solteira.
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