
Fez-se
notícia da história de um menino que foi arrancado de um baloiço da Avenida Central pelo pai de outra criança. Segundo a queixa apresentada, o pai alegou que o seu filho teria mais direito a usufruir do espaço público do que os cidadãos de tez preta, oriundos de outros países. Se o acto é dantesco, as motivações alegadas são uma verdadeira monstruosidade.
Num país que se arregaça e se aprimora para receber os turistas dos países ricos da Europa do Norte, não é nada lisonjeiro constatar que as expressões de xenofobia e racismo são mais do que meras excentricidades de uma extrema destra e mais lesta que numerosa.
Tomemos como exemplo o futebol, um cenário que tende a hiperbolizar a expressão das emoções mais genuínas: os adeptos repetem as “bocas” xenófobas e os assobios racistas; os jornalistas acentuam a tónica, interpretando de maneira desigual o mesmo vaiar quando destinado a um jogador branco ou preto; os próprios jogadores não se coíbem de repetir insinuações xenófobas e racistas.
Mesmo sabendo que não havia impedimentos jurídicos para a convocatória de Deco, vários colegas de profissão, pretensos ídolos de uma geração, criticaram abertamente a chamada do jogador, fundamentando a sua oposição exclusivamente na origem do mesmo. Mas o que é que Cristiano Ronaldo tem que Deco não tenha? O que é que justifica que possam ser olhados de maneira tão diferente?
Aparentemente nada. Nada que não se possa justificar na tacanhez mental de quem vê portugalidade no local do parto. Mas estas profissões de fé acabam, invariavelmente, por dar maus resultados e ainda me hei-de rir no dia em que a sangria de serviços de saúde provocar o nascimento do nosso próximo desportista prodígio num qualquer quarto da Maternidade de Badajoz.
Os actos de racismo e xenofobia são invariavelmente arremessados contra seres humanos oriundos dos países que alguma gente gosta de assumir como culturalmente inferiores. Gente da mesma argamassa mental daquele Nobel senhor que, por estes dias, veio insinuar a superioridade genética dos brancos relativamente aos negros. Gente da mesma índole de uns senhores que gostam de pavonear, num diário local, ignorantes teorias supostamente científicas sobre a vida dos outros.
Eu não embarco em portuguesismos bacocos. Tenho assumidamente mais em comum com os guineenses e os brasileiros que respeitam do com os energúmenos portugueses que instilam o racismo, a xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação, seja por palavras, por actos, por crenças, por ideias políticos ou por omissões. E a Avenida Central deveria ser a mais cosmopolita das nossas praças.
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