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Crescer Sob Ameaça

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«Era Inverno e a noite fez o Colégio Militar mergulhar numa escuridão gelada. Vestido só com um fato de banho, R. foi molhado com água fria, levado para um local isolado e deixado em sentido. Tinha apenas 13 anos e sentiu frio. Frio e medo das ratazanas. Durou apenas uma hora, no final de 2005, mas uma hora assim não se esquece facilmente.» [i]

Há uns tempos, um amigo militar [a tempo inteiro] explicou-me como é que se impede que alguém não desejado prossiga a carreira militar. Ainda que possa ser um homem de carácter hirto e face impoluta, aquele que não cair nas boas graças da companhia está condenado à tortura social, psicológica e, em alguns casos, física mais malévola e boçal.

Tal como nos meios militares, também nas escolas alastra uma violência inter-pares que tecnicamente denominamos bullying e cujas consequências psíquicas para as vítimas são potencialmente nefastas. A ausência de estratégias para limitar os fenómenos de bullying é uma falha importante do sistema de ensino, agravada pelo facto dos agressores se esconderem atrás de um autêntico muro de silêncio tantas vezes protegido institucionalmente.

Outro fenómeno que merece aprofundada reflexão são as praxes académicas, impregnadas de abusos, coações e ameaças que, embora não sendo a regra, assumem contornos pouco dignificantes para as instituições de ensino superior.

Todos estes fenómenos têm em comum a cultura da discricionariedade e do medo, elementos tão idiosincráticos da nossa cultura portuguesa e condimentos tão relevantes nos contextos mais conservadores. O que se espera é que a moratória a que a sociedade se condenou na sequência das primeiras denúncias de violência doméstica não se repita nestas matérias. O pior que nos poderia acontecer é sabermos que quem cresce sob ameaça não tem a competente protecção jurídica do Estado português.

8 comentários:

  1. As Forças Armadas deviam ser extintas.

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  2. É impressionante, tem que se meter sempre a praxe académica ao barulho.
    Não percebo esta cidade, anda-se trajado por ela e ouve-se todo tipo de insultos (e depois dizem que na praxe é que há insultos), vai-se a Coimbra, Aveiro e muitas outras cidades e somos sempre bem recebidos, toda gente (e não estou a falar da população universitária) vem falar connosco, quer ver o nosso traje por não ser uma cópia de Coimbra.
    Em Braga sente-se uma grande distância entre a cidade e a universidade (se calhar ao sitio onde puseram a universidade), que não há noutros pontos deste pais, e que eu tenha conhecimento nunca houve um caso grave na praxe do Minho.
    E caso se derem ao trabalho, podem reparar que esses casos tão badalados de praxe, passam-se em universidades privadas, por isso não vamos por toda gente no mesmo saco.
    Dura Praxis Sed Praxis

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  3. São faces da violência gratuita que nos invade o quotidiano e nos afecta a todos (veja-se o deficit de sorrisos).
    O que é mais triste é que estes jovens sejam obrigados a sofrer em silêncio, não existindo produção de sentido (cada acto de violência terá de produzir sentido, para que, se não o tiver, não se repita).Mas também pode acontecer que interesse a algumas instituições que exista violência sem sentido(uma espécie de trafulhice).
    Uma coisa é certa, a vil tristeza é uma tristeza sem sentido.

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  4. Do que é que o ministerio da educação e do exército estão à espera para fechar o Colégio Militar?
    Já devia estar encerrado desde o 25 de Abril.
    É sustentado pelos nossos impostos, e só lá entram os filhos dos militares!

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  5. Só um reparo: não há uma cultura de discricionariedade e medo, há sim uma cultura de arbitrariedade. É que se houvesse discricionariedade, conseguia-se perceber ou situar (não concordar!) determinado comportamento ou acção, o mesmo não se passa com a arbitrariedade.
    Tudo isto, na minha modesta opinião, são resquícios de um senhor(?) que durante 40 anos conseguiu incutir uma mentalidade de subserviência ímpar e que, ao que me parece, ainda hoje sobrevive subliminarmente, mesmo tendo passado décadas da sua morte e da revolução.

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  6. "tecnicamente" chama-se bullying e não buylling como vem grafado 2 vezes no texto.

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  7. Tem toda a razão. Peço desculpa pela gralha e agradeço a observação.

    Cumprimentos,
    PM

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  8. Estalou o verniz no impoluto Colégio Militar devidos às alegadas práticas de violência física sobre os alunos mais novos daquela instituição. Enquanto uns pais retiraram de lá os seus filhos, outros manifestaram o seu apoio ao Colégio, quais virgens ofendidas. Não se lembram que a seguir podem ser os seus filhos, os alvos, mesmo entre miúdos oriundos de estratos sociais mais elevados. Talvez pensem que são intocáveis, a verdadeira elite da sociedade portuguesa à prova de escândalos. Espero que, à semelhança de outros estabelecimentos de ensino público, se castigue exemplarmente os agressores, de preferência, sem silêncios cúmplices, pois já se chegou à conclusão que para "ser homem" e bom cidadão não é necessário frequentar esses tipos de instituições nem ser exibicionista.

    http://dylans.blogs.sapo.pt/

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