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Capítulo 8: sagrado bairro, segunda parte

A crónica que escrevi na semana passada despertou uma interessante discussão que não merece ficar perdida nos arquivos do blogue. Por isso, em vez de responder nos comentários ao Fernando e ao Pedro, aproveito para lhes responder aqui. O Fernando questionava-se se "a pobreza é, sobretudo, uma questão económica", se seria "um simples não querer trabalhar", se a pobreza não é "uma doença do querer". O Pedro escrevia sobre a necessidade de se reformularem as políticas sociais.

A meu ver, a pobreza é, sobretudo, uma questão económica. Sobretudo, porque o que separa a pobreza da riqueza é o capital económico, mas apenas sobretudo, porque o capital económico é sempre influenciado por outros capitais não-económicos: capital cultural, capital social, etc. Aliás, o Fernando fala da pobreza como um estado contagioso, uma ideia que eu acho bastante interessante, mas que vou optar por não comentar aqui.

Por outro lado, não acredito que a pobreza seja esse "não querer trabalhar" que tantas vezes é apregoado. Considero, isso sim, que a pobreza é "uma doença do querer" e que este querer é provocado, muitas vezes, pelas mesmas pessoas que dizem que a pobreza é para os quem "não querem trabalhar". Se um pobre é aquele que vive abaixo do padrão médio estabelecido para determinada sociedade, penso que os números do Marco, que dizia existirem em Portugal cerca de dez milhões de pobres, não andarão muito longe da realidade, já que o padrão médio sobe todos os dias e está já fora do alcance de muitos portugueses. Mais uma vez, pouparei esta ideia para os vossos comentários.

Finalmente, as políticas sociais não são perfeitas e têm de ser repensadas. Concordo com o Pedro quando ele afirma que os subsídios podem ter efeitos contraproducentes, mas não concordo com a ideia de que estes efeitos contraproducentes se devem, exclusivamente, aos subsídios. As políticas sociais falham porque são, quase sempre, pensadas na vertical: de ricos para pobres.

Perdoem-me a ousadia, mas fará sentido a nossa democracia repudiar a xenofobia, quando as nossas leis são as primeiras a guetizar cidadãos portugueses?

6 comentários:

  1. João,

    «(...) as nossas leis são as primeiras a guetizar cidadãos portugueses?»

    Estás a falar de que leis em concreto?

    Abraço

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  2. Assim como no comentário anterior, tb eu me questiono... que legislação existe em Portugal que nos "guetiza"?

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  3. Pedro,

    Não falo de leis em concreto, mas no seu sentido lato.

    Falo em guetização porque a democracia é exercida por um poder que os benificiários das políticas sociais não controlam; não controlam sequer a quota parte que democraticamente lhes caberia em sorte. Repara que não falei em "guetização" dos cidadãos, mas de cidadãos.

    As políticas sociais têm, a maior parte das vezes, um papel mais alienador do que de inclusão - como se espera que sejam.



    Mas a minha provocação ia um pouco mais além: no tratamento destas questões distinguem-se frequentemente os cidadãos portugueses pela origem dos ancestrais, ainda que de forma dissimulada.

    Não é raro ouvirmos dizer "eles vêm para cá, eles que se adaptem" e esta ideia está representada nas políticas de inclusão social. Somos todos portugueses, mas uns mais que outros.



    Desculpa esta resposta tão telegráfica.

    Um abraço

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  4. João,

    Continuo sem perceber. Que políticas é que são alienadoras? E de que forma? Convém assentar a conversa em bases mais palpáveis, caso contrário ninguém se entende.

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  5. Obrigado João Martinho, por mim sinto-me mais esclarecido.
    Nas "políticas sociais pensadas de ricos para pobres", como diz, magistralmente, está, também para mim, a raíz do problema. O Estado, às vezes, parece as Conferências Vicentinas: "Dar de comer a quem tem fome, vestir os nús..." - isso não chega. Mas é difícil ajudar os pobres a ser protagonistas da sua libertação do seu estado. Além disso, não serão as sociedades e os sistemas económicos,criadores de pobres? A esse propósito, há quem prefira dizer, não "pobres" mas "empobrecidos"...
    Um abraço de muita gratidão

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  6. Pedro,

    As excepções são sempre alienadoras. Se uma pessoa não pode trabalhar, é excepção à regra, logo não pode aceder ao mercado de trabalho. Tendo o trabalho uma importância fundamental na nossa sociedade, uma pessoa que não trabalha fica à margem.

    Ora, se as leis permitem que quem não pode trabalhar fique à margem da sociedade, sem contribuir para o seu desenvolvimento, as leis não contribuem para mais do que para a marginalização de quem não pode trabalhar.

    O facto de não poder trabalhar, seja qual for a razão da incapacidade, não pode ser justificação para "ficar sem fazer nada e ainda receber dinheiro por isso". Por outro lado, muitos dos beneficiários desse tipo de subsídios poderiam contribuir, em diferentes graus, para o desenvolvimento da comunidade em que está inserido.

    Tantas vezes impingem subsídios para criar associações disto e daquilo, quantas vezes procuraram criar pequenos movimentos e associações em micro-climas de pobreza como bairros sociais? Há poucos exemplos de associativismo de bairro, mas os que existem são de sucesso.

    As políticas sociais são alienadoras porque são pensadas por pessoas que não conhecem as necessidades dos beneficiários. Mas não deve ter sido isto que não percebeste.

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