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Da desinformação...


Foz Coa

Para a crónica de hoje, e por questões de consciência, vi-me obrigado a abordar aqui uma questão, que recentemente tem agitado as águas da comunidade de investigadores em Arqueologia e de alguns cidadãos interessados. Uma crónica de Miguel Sousa Tavares, no Expresso de 7 de Julho de 2008, provocou uma mais que justificada indignação, entre todos aqueles que consideram o Património Arqueológico como parte da nossa identidade colectiva e um recurso cultural viável.

Não vou rebater o texto de MST, posto que já muitos o fizeram, e de forma bastante clara, nomeadamente António Martinho Baptista (director do extinto Centro Nacional de Arte Rupestre) e Mário Reis (do Parque Arqueológico do Vale do Côa). Apenas transmito aqui a revolta que sinto ao ler textos como o de MST, que infelizmente são levados a sério. A mesma revolta que sentem investigadores portugueses, reconhecidos lá fora, e que dedicaram e dedicam o seu trabalho ao Vale do Côa, e ao salvamento de outros recursos que a ignorância e o “progresso” tentam fazer desaparecer. E ainda, a mesma revolta que sentem muitos portugueses do interior do país, que dispensam as opiniões deformadas e tendenciosas dos opinion makers da “metrópole”, do alto da sua arrogância neo-aristocrata. Opiniões de gente que olha para o interior como uma faixa de terreno que serve para ir à caça e para construir barragens. Barragens que irão iluminar os monumentos e avenidas da maior cidade do país, e que nunca ninguém ousará submergir.

Penso que se enquadra bem aqui um parágrafo recente do caro Prof. Sande Lemos, e que reproduzo: “Ninguém de bom senso, na Inglaterra, discute o valor das pedras de Stonehenge. Que em Portugal ainda se levantem dúvidas sobre o excepcional interesse da Arte e da Arqueologia do Côa e do Douro é mais um sintoma do Estado da Nação, considerado pelos inquéritos de opinião como Mau a Muito Mau.”

Bom domingo!

10 comentários:

  1. Acho que ainda não estamos conscientes do valor da arqueologia como ciência e disciplina.

    Mais textos polémicos e mais opiniões talvez nos façam "levantar as orelhas".

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  2. Pois, trocar umas gravuras por uma barragem!
    Não sei se um dia, se as energias alternativas não avançarem em força, se será possível impedir o recurso a um equipamento de produção de energia eléctrica, em beneficio das gravuras!
    Mas as gravuras, por muito defensores do património que sejamos, parece que foram um bluff turistico...Ninguém faz centenas de Km para ver gravuras!
    Claro que esta é uma posição em contra-corrente!

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  3. obrigada, gonçalo. quem sabe um dia os estudiosos do que está para lá das ciências naturais deixe de ser olhado de lado, como uma espécie de párias e chupistas da sociedade.

    até lá, resta-me saber que em frança, em espanha, nos estados unidos, um manuscrito do séc. XIII tem valor. e saber que talvez lá não me estejam sempre a perguntar "sim, sim, mas afinal para que é que isso serve mesmo?"

    desculpe o desabafo, mas ler pessoas de bom senso dá-me alento.

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  4. Caro "contra-corrente",

    Antes de mais, permita-me contrariar a sua última frase, mas a sua posição não é nada contra-corrente. Contra-corrente, que é como quem diz, remar contra a maré, é a posição assumida por muitos cidadãos deste país, que se manifestaram contrários à decisão de construir a barragem de Foz Côa, entre os quais se contam arqueólogos, figuras públicas, habitantes locais e até alunos da Escola Secundária de Vila Nova de Foz Côa. Note que não estamos a falar de um lobby, neste caso o lobby é o da barragem.
    O mesmo se aplica com muitos cidadãos que se manifestam contrários à construção da barragem do Baixo Sabor. Isso é ir contra a corrente.
    Defender a construção de empreendimentos hidroeléctricos (um recurso renovável, sim, mas não alternativo) é manter-se favorável à situação e à tendência geral do pseudo-progresso.

    Depois, as gravuras não foram um "bluff turístico". Se compararmos as contrapartidas que Foz Côa obteve com as gravuras, com as que obteria com a barragem, então as gravuras já estão em vantagem. Isto porque as contrapartidas da barragem não eram nenhumas!!! A barragem não ia gerar emprego, não ia atrair investidores, não ia facultar o abastecimento de água (tratava-se de um empreendimento hidroeléctrico) e, finalmente, ia destruir consigo um património humano e natural insubstituível. As gravuras trouxeram a Foz Côa emprego qualificado, centenas de estudantes estrangeiros que participam em escavações, o IP2, a Pousada da Juventude, a elevação a cidade, a classificação da UNESCO, e os empreendimentos de turismo em zonas rurais, que teriam sido alagadas pela barragem.

    Além disto, a barragem não ia afectar só as gravuras, porque o Vale do Côa e o Alto Douro, não são só gravuras paleolíticas, são vinhas de benefício, são amendoeiras em flôr, são aldeias históricas, são uma cultura popular muito particular e são uma das mais belas paisagens da Europa...

    Finalmente, afirma que "ninguém faz centenas de Km para ver gravuras!". Naturalmente, cada um fala por si. Muitos não fazem centenas de quilómetros, fazem milhares. Procure informar-se junto do Parque Arqueológico do Vale do Côa, e verá que todos os anos milhares de turistas continuam a visitar as gravuras. Turistas que dormem e jantam em Foz Côa, e que seguramente não iriam lá para ver uma barragem.
    Cordialmente

    P.S. - Há muita gente em Foz Côa que continua a defender a barragem, e eu até compreendo. Eu sou natural daquela região, e sei que a água, coisa que nunca abundou por ali, continua a seduzir muitos habitantes locais, sobretudo os mais idosos. Mas felizmente, existe já um sistema de abastecimento, baseado em várias infra-estruturas de estancamento, captação e distribuição, que nada têm que ver com os empreendimentos hidroeléctricos.

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  5. Obrigado, cara Mariana!

    Lá chegaremos... espero eu.

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  6. Caro Gonçalo Cruz,tocou no ponto fundamental:vinhas de benefício.
    Já que é da região do Douro,tente saber o nº de hectares que teriam sido submersos e a quem pertence grande parte deles,entidade essa que terá até contribuido financeiramente para a construção da estação arqueológica.Sem querer estar com teorias de conspiração,o museu arqueológico do Côa terá sido salvo pelo vinho e não pelos políticos.
    Quanto ao Sabor,do meu ponto de vista e tendo em conta que será uma barragem de retenção de águas,bem como a do Tua,construam-se e rapidamente.Estou farto de cheias aqui para as minhas bandas.
    Como rodapé,recordo-lhe os 100 milhões de euros "extra" para o desvio da A 24 em Vila Pouca de Aguiar,por via de 7 lobos que não se sabe se ainda estão vivos ou se mortos nalgum fojo por pastores,o que é o mais certo.

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  7. Pedro e demais leitores e comentadores,

    MST e MMCarrilho demonstram verdadeiramente o desprezo que tem pelo interior Norte. MST coloca-se numa posição de julgar de fora, com uma arrogância insuportável. MMCarrilho prometeu o céu, e criou expectativas irrealistas ao interior Norte, enganado-o.

    A lição é esta: Não confiar nunca 100% em opinadores/políticos de Lisboa. Mais vale fazer o trabalho de casa e criar a nossa própria reflexão. A Wikipedia está aí para isso mesmo.

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  8. Caro Sardanisca,

    Acha mesmo que o lobby da viticultura tem mais peso que o lobby da energia e da construção?!!
    A maior parte da área que seria alagada pela barragem de Foz Côa pertence a proprietários locais, nomeadamente pequenos produtores.
    Quanto ao caso que refere, e que conheço, devo dizer-lhe o seguinte:
    - a propriedade referida iria ser efectivamente submersa pela barragem;
    - Os seus proprietários não contribuiram financeiramente para a construção de nenhuma estação arqueológica, mas sim financiam ainda escavações arqueológicas na sua propriedade, onde criaram um núcleo museológico, independente do Parque Arqueológico (chama-se a isto mecenato);
    - Não me parece que a empresa em questão necessite daquela quinta para subsistir.

    O Museu de Arte e Arqueologia do Côa não foi salvo por ninguém, visto que se encontra agora em construção.

    Sobre as cheias nas suas bandas, devo dizer-lhe que no troço jusante do Douro existem várias localidades (incluindo o Porto) que durante séculos conviveram com cheias, que são um fenómeno natural, agravado nas últimas décadas pela construção de barragens, precisamente...

    Sobre o desvio da A24, não vejo que relação exista com o Vale do Côa.

    Acho que devemos ser objectivos e não levantar teorias da conspiração, como referiu.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Caro Gonçalo Cruz:tente saber o nº de hectares de vinha (nova) que essa empresa veria submersos e à pequena fortuna que deles adviria todos os anos em benefício.Concluirá rapidamente que é bem melhor fazer "mecenato",como diz.
    Quanto à convivência com as cheias ao longo dos anos,parece-me que continuar a aguentá-las havendo uma solução que possa minimizar os seus estragos e ao mesmo tempo reter água vital para as pessoas e terras é algo estafado como argumento.Não estamos no Bangladesh.
    A A24 é um exemplo da sanha ambientalista que grassa em Portugal.Como deve também saber,a A24 estava para ser feita há décadas.Seja como for,desde a adjudicação da obra houve tempo mais que suficiente para que as associações defensoras dos animais mudassem o habitat desses lobos.É possível fazê-lo,faz-se com outros animais em África,por exemplo.
    Ou então,como se diz em Vila Pouca de Aguiar dos lobos "a 3 milhões de contos cada",por bem menos tomava eu conta deles noutro local,alimentando-os a trufas e espumante.
    Um bom dia.

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